Psicanálise & Quotidiano
11/07/2023
“O calcanhar de Aquiles como lugar de sorte”
O 5º Congresso de Psicanálise em Língua Portuguesa, que ocorreu no mês de abril, titulado “Escravidão e Liberdade: travessias do corpo e da alma”, proporcionou que nos debruçássemos sobre temas difíceis como dor, opressão, rivalidade, violência, durante quase três dias consecutivos. Foi instigante participar junto com tantas outras pessoas, que estavam em diversas partes do mundo, de um momento que se fez tão significativo pra mim. Abrir espaços de diálogo, revisitando nossas práticas e podendo questionar o que vem sendo pensado sobre determinados temas se faz sempre um desafio necessário.
Certo é, que desde então, fiquei com a marca do título deste breve escrito em minha memória. Passei dias pensando sobre esse tal, “lugar de sorte”, que escutei de um congressista que havia pedido a palavra e estava sentado próximo a mim. Foi também essa sensação, a de sorte, que tive ao me perceber participando desse evento. Passei então a imaginar esse lugar como um espaço interno, onde podemos reconhecer nossa vulnerabilidade e incertezas, e talvez possamos tirar proveito desse reconhecimento. Da mesma forma que acontece na história de Aquiles, parece que esse “lugar” nos relembra a nossa humanidade, com todos seus atributos e controvérsias, sendo o mesmo, que também nos oferece a possibilidade vital de crescimento.
Foi ali naquele auditório onde eu percebi que houve espaço para discordância, diálogo e escuta afetiva que a sorte se fez presente. Me refiro à sorte também como um aspecto de esperança onde, o calcanhar de Aquiles pôde se tornar um lugar de oportunidade, alimentando o nosso desejo de continuar revendo e aprimorando as experiências humanas. Ao mesmo tempo este também se constitui como lugar da dúvida e do não saber; que precisa abrir mão de uma onipotência arrogante para se lançar através de novas perspectivas.
Nesse sentido, percebo que a Psicanálise se mantém ávida e persistente. Quando trabalhamos com ela não costumamos nos aquietar rapidamente e estranhamos lugares cômodos demais. Buscamos com nossas ferramentas humanas suportar e navegar através do desconhecido para alcançar a construção de novas possibilidades. E não só isso, navegamos também pelas falsas seguranças e estabilidades, que nos mantém inertes e tentam uma aproximação ao que seria um estado inorgânico tão distante da condição humana. Penso que estar disponível para viver essas experiências, assim como a de escrever esse texto, também expande o que seria esse lugar de sorte. Demanda de nós um determinado desequilíbrio-equilibrado, que por sua vez, se mescla ao afã da mudança e nos dirige ao movimento inerente à constituição da própria vida.
Por: Luana Rodriguez - Psicóloga, Psicoterapeuta de orientação psicanalítica em formação pelo NPA e Coordenadora Escolar
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Psicanálise e Quotidiano é o espaço destinado a publicações de textos curtos, sem cunho teórico, de forma acessível e com reflexões a cerca de temas do dia-a-dia, através do olhar psicanalítico. A coordenação do projeto é de Danilo Goulart.