Entrevista para o Jornal da Cidade: Petruska Menezes

15/11/2015

A matéria que segue foi elaborada pela equipe do Jornal da Cidade, correspondendo à edição dos dias 15/16 de Novembro de 2015 (confira aqui a edição completa). A entrevista foi conduzida pela jornalista Andréa Vaz. Petruska Menezes, psicóloga (CRP19/0636) e psicanalista (Núcleo Psicanalítico de Aracaju, Sociedade Psicanalítica do Recife), além de atual diretora-científica do NPA, abordou a questão da violência doméstica. Foram discutidos temas como a dinâmica entre agressor e agredido, as repercussões emocionais desse tipo de situação e as possíveis condições necessárias para a diminuição ou prevenção do problema.

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"O agredido sente-se incapaz de lidar com a agressão", diz psicóloga (Publicado em Jornal da Cidade - 15/16 de Novembro, 2015)

As consequências psicológicas para quem é vítima de violência dentro da própria casa são muitas. A psicóloga e psicanalista, Petruska Passos Menezes, especialista em Psicanálise IPA (International Psychoanalytical Association), explica que a violência é destrutiva em todos os aspectos desde quem sofre a agressão até o agressor. Com 13 anos de atuação, ela diz que o agredido tem uma invasão e desrespeito em sua identidade e alteridade recebendo os aspectos destrutivos inerentes ao agressor que estão cindidos e deslocados para o agredido. O agressor é uma pessoa que perde a capacidade de se responsabilizar sobre seus sentimentos e de utilizar o pensar/sentir para lidar com questões inerentes a si.

"O agredido normalmente é alguém com fragilidades físicas e/ou psíquicas que, por tais características, recebe o depositário da impossibilidade de adaptabilidade do agressor que se encontra em um modelo de funcionamento que não lhe permite lidar com sua raiva, inveja, desejos, sonhos e expectativas e os "despeja/descarrega" na vítima. Neste sentido, embora pareça difícil se pensar nesse modelo, os dois são vítimas (agredido e agressor). Importante deixar claro que isso não justifica a agressão".

Alguns fatores podem levar à violência doméstica, entre eles a dificuldade do agressor de lidar com suas emoções, frustrações e desejos, que o mobilizam a descarregá-los. "Juntando-se a isso, a existência da impunidade e estar fora do alcance das leis fazem com que ao invés de impor ao agressor novos recursos para lidar com os seus problemas, passe a atuá-los de forma a descarregar todo o seu ódio/raiva/decepção em alguém que ele julgue não ter como retaliar ou revidar. O agredido, normalmente, sente-se incapaz de lidar com a agressão e, por questões também inerentes a sua constituição biopsicossocial, fazem-no acreditar que não existe possibilidade de defesa muitas vezes reforçadas pelas ameaçadas de mais agressões", acrescenta.

Petruska revela que pessoas com baixa capacidade de frustração podem se tornar violentas. Essas pessoas não suportam o que lhes é diferente. "O diferente é confundido com agressivo e violento e, assim, tudo que não é como se pensa, passa a ser considerado um ataque ao indivíduo. Normalmente, agressores são pessoas que não sabem lidar com seus sentimentos e com as limitações que o dado de realidade lhe impõe: a perda de um emprego, um modelo de sexualidade diferente do seu, time de futebol diferente e tudo que lhe foge ao controle e a falsa crença de segurança que este controlhe lhe traz. O movimento destrutivo é um ataque em resposta a um mundo em que o agressor acredita que está sendo agredido. Mas apontar na rua quem é um possível agressor em potencial é mais difícil até que as circunstâncias (externas - mundo - ou internas - pensamentos/sonhos/fantasias) se apresentem e a pessoa encontre esse modelo de repassar para alguém mais frágil toda a sua destrutividade inerente ao ser humano e que não pôde ser contida", explica.

Mas por qual motivo alguém aceita ser vítima da violência? Petruska acredita que isso acontece por um modelo menos harmônico de funcionamento mental. Para ela, essa fragilidade pode vir por uma influência da cultura predominante na sociedade e na família e/ou por características próprias de funcionamento mental. Normalmente somam-se as duas coisas. "Um bom livro que mostra a influência do social sobre as pessoas é 'A Confissão da Leoa', de Mia Couto. Esse livro mostra como a sociedade local desrespeita as mulheres enquanto gênero e cometem as maiores atrocidades "matando-as" em vida. Poucas encontram recursos para batalhar por sua identidade e alteridade. Então, o medo, a baixa autoestima, a impunidade e a descrença na possibilidade de mudança podem levar uma pessoa a se permitir ser agredida por mutis anos", diz.

Para quem sofre de violência doméstica, se libertar dessa situação, a primeira mudança, na visão da especialista, é, por incrível que pareça, encontrar recursos para pensar em si reavaliando sua vida. "É necessário se conhecer, compreender suas fraquezas, mas também suas forças. Se permitir pensar na possibilidade de uma mudança, de alguma forma de vida nova que, por mais que assuste por ser estranha e desconhecida, pode ser melhor que a situação de agressão. Isso poderá gerar, dentro do agredido, medo, mas também as condições necessárias à mudança. Ao agressor, as leis e uma nova cultura que imponha o respeito ao próximo e a si mesmo pode fazê-lo parar, passar a utilizar a possibilidade de pensar/sentir para lidar com seus afetos e frustrações e encontrar formas alternativas e mais saudáveis de viver".

A psicóloga e psicanalista garante que os amigos e familiares só têm algum papel nesse caso e podem ajudar alguém que sofre com esse problema se pelo menos uma das partes se permitir ser ajudada. Caso contrário, se faz a denúncia às autoridades competentes e, mesmo depois de todos os trâmites corridos, volta-se ao funcionamento violento. "Acredito que conversar, ajudar as duas partes a pensar, é de grande valia. Abrir perspectivas de novas formas de ser e sentir talvez seja mais útil, embora em situações de risco de morte, intervenções e denúncias acabem sendo necessárias para se preservar a vida de todos", pontua.

Para encerrar, o JORNAL DA CIDADE pediu para ela analisar aquele infeliz ditado que diz que "tapa de amor não dói". Ao ser questionada por que muitas pessoas acham que agressões podem ser provas de amor, ela respondeu: "Existe um modelo de funcionamento mental chamado de perversão onde a compreensão dos fatos sofre distorções, exemplo sadismo e masoquismo. Todos nós temos um pouco desse modelo em nós, mas quando esse modelo é predominante, a distorção é grande e passa a existir uma confusão entre bater e dar amor. Isso não quer dizer que todo agressor é sádico. Não é possível afirmar isso. Ao contrário, acredito que todo agressor só é agressor por uma incapacidade de lidar com a sua vida, mas não necessariamente ele tenha prazer em bater (que é o que ocorre no modelo sádico de funcionamento mental), sendo mais uma tentativa de transpor sua dor. Talvez por isso existam ditados que dizem que tapa de amor não dói, o que não é verdade em nenhuma hipótese.