Entrevista com Petruska Menezes

25/11/2015

A entrevista a seguir foi conduzida por Carina Cristofoli, estudante de Jornalismo da Universidade Metodista de São Paulo. A temática da pauta, "Capacidade cognitiva e tecnologia", faz parte da produção de uma revista com foco em tecnologia e terceira idade, organizada por alunos da universidade. Segue abaixo o material republicado, em que a psicóloga e psicanalista Petruska Menezes(CRP19/0636 / Sociedade Psicanalítica do Recife e Núcleo Psicanalítico de Aracaju), além de diretora-científica do NPA, aborda questões como os impactos da tecnologia na mente humana, envelhecimento e o autoconhecimento para a psicanálise.

C.C - Como você vê a interferência da tecnologia no nosso dia-a-dia? Na sua opinião, ela possui um limite? Caso sim, ele já foi ultrapassado?

A tecnologia ampliou as possibilidades de contato entre as pessoas. Acredito que é algo bom, mas precisa ser bem utilizada. A questão do limite é muito individual. Quem dá o limite é quem usufrui e como cada pessoa é única, os limites serão diferenciados. Entretanto, se falarmos de uma maneira geral e pensarmos em algo ético, continua valendo o que sempre existiu. O limite precisa existir no momento anterior à invasão do outro. Ou seja, é necessário respeitar a privacidade das outras pessoas. Talvez possamos pensar limites nesse sentido.

C.C - Existe uma idade adequada para que seja iniciada a interação com a tecnologia?

Não. O que existe é a necessidade de um acompanhamento por parte de pais e/ou responsáveis com crianças e pessoas que ainda não possam se responsabilizar por si e, consequentemente, possam se expor, expor alguém próximo, prejudicar alguém ou se prejudicar de alguma forma.

C.C - O uso de tecnologia é benéfico para a mente humana?

O cérebro/mente/psiquismo (em uma visão ampliada e integrada – sem secções) só desenvolve se for estimulado. Sendo uma estimulação de forma saudável, sem excessos, sim, é benéfico. Pode inclusive potencializar o aprendizado, ampliar as relações sociais por dar mais acesso às pessoas e às informações.

C.C - De que forma ele causa melhoria das nossas capacidades cognitivas?

Toda vez que amplio minhas formas de interagir com o mundo, estou absorvendo e utilizando as informações recebidas apreendendo-as como experiências e, portanto, enriquecendo meu cérebro/mente dando-me mais possibilidades de adaptabilidade ao mundo (interno e externo). A estimulação cognitiva faz parte deste processo, pois se somos estimulados, tendemos a aperfeiçoar e ampliar nossa rede neural e consequentemente a memória, o raciocínio, a lógica e todos os recursos que temos adquiridos em anos de evolução.

C.C - Ela é capaz de causar malefícios? Como e porquê?

Tudo o que é em excesso ou mal-usado causa malefícios. Passar o dia todo em uma única atividade na internet ou no computador/tablet/smartphone pode significar algo. Pode apontar para um vício e precisará ser tratado como uma dependência assim como o álcool ou as drogas. Assim como, utilizar as tecnologias para invadir a privacidade do outro, expor e difamar é algo preocupante. Todos os dois exemplos pedem uma reflexão sobre o objetivo que cada pessoa está tendo ao utilizar a tecnologia e isso pode representar um sintoma de algum problema maior que precisa ser investigado e, talvez, tratado.

C.C - Uma pesquisa realizada por cientistas da Montford University de Leicester, na Inglaterra, mostra que usuários viciados em smartphones são mais propensos a cometer erros, por que isso acontece?

O ser humano só é capaz de manter a atenção em uma única coisa por vez. O que acontece quando estamos andando e utilizando o celular é que alternamos a atenção com maior velocidade para tentar dar conta de duas ou mais atividades ao mesmo tempo, assim, como em algum momento o foco não está na atividade desenvolvida, mas na atividade paralela, tendemos mais a errar.

C.C - Você já atendeu algum caso em que o paciente foi afetado positiva ou negativamente pelo uso de tecnologias? Caso sim, como você o ajudou? Caso não, como ajudaria uma pessoa em uma situação parecida?

Posso falar de maneira geral que a psicologia tem se beneficiado com a tecnologia por dar acesso (até onde eu saiba em caráter experimental) ao atendimento de pacientes em trânsito pelo Skype ou ferramenta semelhante. Só esse exemplo já é de profunda importância porque dá acesso ao paciente que viaja muito ou que está em uma região geográfica com poucas ou nenhuma opção de tratamento psicológico a uma mudança de panorama e a acessibilidade ao cuidar de seu sofrimento.Sobre problemas específicos relacionados à tecnologia, sim, já atendi. Como a internet é uma porta aberta e livre acesso a quase tudo, pessoas que são viciadas em jogos transformaram esses vícios em jogos interativos pela internet. Com a facilidade de comprar moedas virtuais para o jogo pelo cartão de crédito, pacientes viciados perdem muito dinheiro nas mais diversas formas de jogo, o que foi o caso que atendi.Outra questão que aparece muito no consultório é de pessoas com medo de viver que criam vidas paralelas/virtuais construindo, pela internet, a vida que gostaria de ter com avatares de corpos ideais em condições de “contos-de-fadas”. Essas pessoas normalmente tem uma baixa tolerância à frustração e, consequentemente à realidade, preferindo “viver” em um mundo da fantasia criado e possibilitado pela internet, mas não real.Todo o trabalho psicanalítico é voltado para o autoconhecimento e a proposta de trabalho é que se as pessoas podem se conhecer melhor, podem aprender a lidar com seus sentimentos, desejos e, consequentemente com a realidade interna e externa. Assim podem se tornar livres, responsabilizarem-se por suas vidas e suportarem essa responsabilidade que vem junto com a liberdade.

C.C - Nos aspectos psicológicos, a tecnologia afasta ou aproxima as pessoas?

Depende de quem usa sempre. O que acontece hoje em dia é que grande parte das pessoas tem medo de ser íntimo demais, mas têm medo de ser sozinhos e o que mais vemos hoje em dia é que a tecnologia aproxima quem está distante afetiva ou geograficamente, mas afasta quem está perto porque a intimidade nos expõe em nossas dores e limitações. Lidar com a dor e as limitações pede a capacidade de suportar olhar para suas fragilidades, coisa cada vez mais difícil em uma sociedade voltada somente para o consumo e para o prazer.

C.C - Ao longo dos anos, a sociedade de forma geral foi afetada, na sua maneira de se relacionar, pelas novas tecnologias?

Sim, mas se pensarmos que foi essa mesma sociedade que criou as novas tecnologias é porque de alguma forma houve uma demanda. Acho que essa questão segue uma via de mão-dupla que se constrói reciprocamente.

C.C - Em indivíduos propensos à introversão, a tecnologia é benéfica ou maléfica? Por quê?

A pessoa introvertida não se beneficia mais ou menos. O introvertido é uma pessoa que é mais voltado para si, mas isso não quer dizer que ele não interaja com os outros. Acho que você fala do tímido. O tímido é aquela pessoa que deseja se relacionar mais com os outros mas, pelo modelo característico de ser, tem vergonha, insegurança e/ou medo. Assim, o tímido segue o mesmo caminho que falei acima quando coloco que a tecnologia se adapta ao “quem sou eu”. Ela pode ser um recurso que permita uma pessoa se expor menos diretamente e, para o tímido, pode ser um recurso que o auxilie a interagir por um tempo. Mas, os contatos precisarão sair do virtual para a realidade. Caso contrário, precisará ser pensado se não é o caso de receber ajuda de um profissional.

C.C - A incapacidade de relacionar-se interfere na capacidade cognitiva do ser humano?

Pergunta difícil de responder porque uma pessoa não é só cognitiva e o sentir interfere no processo de pensar sempre. De um modo geral, não só cognitivamente, a dificuldade de se relacionar pode ser um empecilho para o desenvolvimento, pois crescemos e nos desenvolvemos através das interações de eu comigo mesmo e com o mundo. As leis, regras, o aprendizado, as trocas afetivas se dão através do outro, assim como construções inconscientes pelo olhar psicanalítico. Se a pessoa possui uma dificuldade de se relacionar com o meio, terá uma dificuldade maior para se adaptar. Se a pergunta for: se a pessoa deixa de ser inteligente porque não se relaciona, acredito que não, mas uma parte dessa inteligência pode ficar em potencial (entretanto, isso não é uma regra).

Com relação aos idosos,

C.C -O uso de tecnologias é benéfico ou maléfico?Sendo uma estimulação mental/cerebral é benéfico. Acima de tudo, como algo novo, estimula o cérebro a pensar e fazer novas sinapses ampliando seu funcionamento e melhorando tudo como um todo, às vezes até prevenindo ou adiando possíveis doenças da terceira idade.

C.C -Como a capacidade cognitiva das pessoas são afetadas pelo envelhecimento?

Talvez essa pergunta seja melhor respondida por um neurologista, pois existe todo um processo de mudança e degeneração celular que ocorre através dos anos e da idade e que o neurologista trata em seu consultório. Além disso, os órgãos da percepção também vão ficando mais debilitados e isso vai influenciar na possibilidade de sentir e vivenciar o mundo. Por exemplo a audição diminui, a visão começa a ficar comprometida e há quem diga que também o paladar se altera. Uma maior dificuldade de percepção pode comprometer todo o processo avaliatório da adaptabilidade ao meio.

C.C - E no âmbito social? A tecnologia auxilia idosos a se relacionarem?

Penso que sim. Tanto quanto as demais pessoas. Para o idoso ainda existe o desafio de aprender algo novo e acredito ser muito benéfico qualquer processo de aprendizagem e nova vivência.

C.C - Existem exercícios para melhorar capacidades cognitivas afetadas?Sim, a neuropsicologia tem trabalhado muito nisso, em diagnosticar e buscar meios de melhorar e ampliar as possibilidades assim como os déficits de cada um. Entretanto, não tenho conhecimento aprofundado para exemplificar visto que não sou neuropsicóloga.

C.C - De que forma a tecnologia pode/ajuda na recuperação ou no melhoramento de alguma capacidade afetada?Através da estimulação e desenvolvimento de novas habilidades assim como de novos contatos e relacionamentos. Assim como as crianças hoje em dia desenvolvem mais rápido por conta da intensidade maior dos estímulos recebidos, os adultos e idosos também podem melhorar suas habilidades e capacidades pela estimulação dessas.

C.C - Pesquisas dizem que o uso constante de tecnologias afeta a capacidade de concentração e memória das pessoas. Outras afirmam que determinados recursos tecnológicos melhoram o senso de estratégia e raciocínio lógico. Qual é a sua opinião sobre o tema?

Em excesso, atrapalha e prejudica não só a memória e a concentração, mas em um uso adequado acredito que melhoram as habilidades como um todo. Tudo depende sempre da intensidade e qualidade de utilização das ferramentas tecnológicas. Sempre acredito que o segredo da saúde e da vida está no constante equilíbrio. “Nem tanto, nem tão pouco”.

C.C - No ramo da psicanálise, como a tecnologia está presente?

Um maior contato com mais estudos, pesquisas e pesquisadores trazem mais conhecimento para todos. Nunca houve tanta troca de conhecimento e experiência como atualmente. Videoconferências permitem que saibamos como um colega argentino ou espanhol está trabalhando, como apreende a realidade e o que ele obteve de resultado. As publicações estão mais acessíveis pela internet gratuitamente ou por valores mais acessíveis. Podemos fazer supervisão com professores que moram em qualquer parte do mundo e existe uma pesquisa mundial sobre o atendimento psicanalítico por Skype. É verdade também que pede um maior cuidado dos analistas com exposições que podem interferir no seu trabalho dentro do consultório, mas isso também está sendo estudado e cuidado.

C.C - Qual a linha que separa a tecnologia de uma solução, e de um problema?

Quem está disposto a resolver ou problematizar. A tecnologia é espelho de quem usa. Pode-se utilizá-la para se ajudar ou para agravar algum problema.

C.C - Existe alguma informação sobre o tema que você sentiu falta de comentar e acha importante compartilhar?

Temos uma dificuldade de olharmos para nós mesmos e consequentemente acabamos atribuindo qualidades ao meio e aos outros ao invés de entendermos que tudo é consequência de nossos atos. O fato de eu ter uma caixa de fósforos não me diz nada. Mas com uma caixa de fósforos eu posso causar um incêndio e matar milhares de pessoas, animais e plantas ou posso acender o fogo, preparar milhares de alimentos e saciar a fome de muitas pessoas e animais. A tecnologia é essa caixa de fósforos. Cabe a cada um decidir o que vai fazer com ela. Construir ou destruir. Obrigada pela oportunidade e espero ter podido contribuir em algo.