Divertida e criativaMENTE
22/07/2015
Divertida e criativaMENTE
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Em um comentário atribuído ao cineasta italiano Federico Fellini ele nos diz que "o cinema utiliza a linguagem dos sonhos; anos podem se passar em um segundo e você pode saltar de um lugar para outro. É uma linguagem feita de imagem. E, no cinema de verdade, cada objeto e cada luz significam alguma coisa, como em um sonho.”
Divertida Mente é o mais novo filme de animação da Pixar. É um ótimo filme e um sonho bom.
Nele acompanhamos a história de Riley , uma pré-adolescente de 11 anos, alegre e sem preocupações. Tudo parece estável, seguro, permanentemente alegre. A mente de Riley é comandada pela Alegria que tenta afastar do comando seus "companheiros"- emoções Medo, Raiva, Nojinho e principalmente a Tristeza.
Tudo parece mudar quando seu pai aceita uma oferta de emprego em outra cidade e Riley tem que deixar para trás sua cidade natal, amigos, lembranças. Suas emoções se confundem e a Alegria começa a ter trabalho extra para manter a Raiva, o Medo sob "controle" e "aprisionando e afastando" a Tristeza afinal, ela é incômoda, inútil. Seu objetivo é manter Riley sempre feliz.
Algo parecido com o que encontramos em nossos consultórios. Mas será isso possível? Sabemos que não.
A primeira cena do filme nos mostra o nascimento de Riley. Um primeiro plano dos olhos de Riley se abrindo e captando as primeiras imagens do mundo e de seus pais que a admiram e a recebem com amor; corte para a mente de Riley e vemos as emoções aparecendo, tomando forma na sua mente. Alegria, Medo, Raiva, Tristeza, Nojinho. Vemos uma sequência que, da percepção sensorial vai a emoção, a um registro, uma significação, um armazenamento como, memória e base para o aprender com a experiência. A base para o pensar. Algo que me faz lembrar a hipótese de Armando Ferrari.
Ferrari nos diz que a mente surge para dar conta das sensações e emoções intensas que surgem com o nascimento. O corpo (aquele corpo) surge assim como o primeiro objeto da mente (daquela mente) e com toda a fisicidade que nos torna aquele homem ou aquela mulher único(a) com um corpo e uma mente própria, única. Junto com esse processo temos a mãe (e a sua mente), que com sua importante função de reverie dá forma, favorece a metabolização das experiências da criança.
Essa criança - corpo objeto concreto - vai se relacionar com essa mente em uma relação vertical onde a mente contém, dá forma, significa as emoções e sensações ao tempo em que se inicia uma relação horizontal entre a criança- -mundo exterior – mãe.
Cada experiência da personagem é armazenada na mente como traço de memória e algumas se transformam em Memórias Base uma espécie de Ilhas de Lembranças -Família , Amizade, Ética, Macaquices (brincadeiras e lembranças infantis) e que na concepção da Alegria "definem a Riley". Algumas lembranças "perigosas" vão para o subconsciente, "um lugar de difícil acesso".
O titulo original do filme é Inside Out - de dentro para fora. Riley é uma pré- adolescente num difícil diálogo com suas próprias emoções e sentimentos tentando lidar com mudanças externas.
Se no nascimento é a mente que se impõe ao corpo dando continência, "esfriando" e significando as emoções e sensações, na adolescência um corpo em transformação se impõe a mente como um corpo estranho. As emoções e sensações se tornam confusas e desarmônicas, e a mente precisa acolher de volta, reconhecer e significar esse novo corpo restabelecendo uma unidade, um diálogo harmônico, dando espaço para as transformações, desconstruções. Para a construção de um espaço mental.
Nessa travessia Riley tem que lidar com suas emoções dissociadas, Raiva, Medo, Alegria, Tristeza - e com todas as transformações e frustrações do mundo externo, um ambiente hostil e desconhecido, e lidar com a solidão, a tristeza que insiste em aparecer a contragosto da Alegria, a Raiva, o Medo. Se refugia em memórias antigas, no amigo imaginário – o lindo e fofo Elefantinho de Algodão Doce, que pouco a pouco vão desaparecendo para dar lugar e espaço para novas memórias, novos amigos, novas experiências num constante aprender com a experiência necessária em todo crescimento. Quando finalmente a Tristeza pode ocupar seu lugar, integrada a todas as emoções num avançar para a posição depressiva Riley amplia suas experiências, cria um espaço mental que pode, agora, acolher a Riley que caminha para a adolescência.
Adolescência? O que é isso? Se pergunta a mente ao contemplar as mudanças e um novo painel que aparece no novo espaço. Bom, issojá é uma outra história.
Ana Rita Menezes da Silva de Pineyro
Psiquiatra, Postulante a formação psicanalítica pela Sociedade Psicanalítica do Recife.
¹Materia publicada no Jornal da cidade nos dias 19 e 20 de julho de 2015. (Texto original da publicação no jornal)