Não me disseram

18/03/2019

 

 

Estamos no caminho certo! Essa é uma frase que tenho ouvido muito em diversos campos, dentre outras como: “Agora sim, vamos botar ordem na casa.”, “As coisas vão começar a andar!”. Mas, o que vejo, o que sinto, não é bem por aí.

A cada dia, novas e violentas tragédias comovem o nosso país... Mas será que comovem mesmo? Comover quer dizer mover algo, mais especificamente, os sentimentos. No entanto, quais sentimentos são movidos com situações como essas que estamos vivenciando? Pessoas são assassinadas e alguns se indignam, se entristecem, mas outros dizem até que foi merecido, como o caso, ainda não resolvido, do assassinato que ocorreu há um ano.

Difícil compreender essa nossa humanidade, mesmo lendo teorias sobre os nossos instintos mais destrutivos, ainda assim, essas situações não deixam de provocar perplexidade e dor.

A mais recente tragédia, ocorrida na última semana em Suzano, me trouxe uma variedade de sentimentos difíceis de serem transformados em alguma coisa, mas subitamente, senti a necessidade de escrever.

Cada vez mais percebemos uma ausência de limites em nossa sociedade, podemos dizer que há uma “ausência da função paterna”, jovens que desrespeitam os próprios pais, os professores, as autoridades, e não conseguem estabelecer regras que sejam cumpridas ou simplesmente respeitadas.

Muitos anos de “liberdade ampla, onde tudo é permitido”, me disseram. “Antigamente não era assim”, “Devemos impor regras, militarizar as escolas! Numa escola militar não aconteceria isso”, me disseram. “A culpa é da TV, essa midiazinha manipuladora”. “O Brasil virou o número um do ranking de homicídios por arma de fogo. Temos que liberar o porte de arma”, “Vamos seguir o exemplo dos Estados Unidos”, me disseram.

O que aconteceu é que, a partir do reconhecimento da minha própria ignorância, senti a necessidade de pesquisar mais, de entender, de pensar. Então, acabei descobrindo o que não me disseram.

Não me disseram que o segundo país do ranking de homicídios por arma de fogo é os Estados Unidos. Não me disseram que só em 2018, mais de vinte atentados em escolas com tiroteios aconteceram nos EUA. Não me disseram que quando tudo era proibido, também haviam mortes. Não me disseram sobre os desrespeitos cometidos contra os alunos nas escolas militares. Não me disseram que a vida desses garotos que cometeram os assassinatos em Suzano começou a ser comprometida desde seu início, talvez antes. Não me disseram que depois de tudo isso, ainda surgiu um outro garoto em uma rede social dizendo que sentia raiva dos que cometeram o crime por não ter sido convidado para “matar o resto, mas que descanse em paz, morreu fazendo o certo”.

Será mesmo que a nossa sociedade é da forma que é por causa da mídia? Por causa do governo? Por causa do desarmamento? Ou por causa da sexualidade? Por causa da religião?

Precisamos armar a população! Melhor dizendo... Precisamos amar, população!

Temos que buscar um meio de encontrar o retorno da função dos pais, principalmente limite e amor. Afinal de contas, como dizem, “educação vem de casa”, não é?

Sempre culpamos o Estado por todas as intempéries da vida, e, de certa forma, temos alguma razão, mas não só. E a nossa responsabilidade? E o que fazemos de errado, todos os dias? Dirigimos quando bebemos, xingamos uns aos outros, somos preconceituosos, negligenciamos os nossos filhos e irmãos, reforçamos a violência, pedimos por armas, e agora, o que temos?

Mais armas.

Sei que não é só um problema brasileiro, acabamos de ver mais uma notícia assombrosa. Na Nova Zelândia, “atentados contra duas mesquitas deixam pelo menos 49 mortos”. Assim penso, não é o Brasil, mas os homens que habitam a Terra. Talvez a busca pelas respostas que tanto procuramos esteja em nós mesmos.

No lugar de procurarmos nos EUA, na China ou em Marte, deveríamos olhar para dentro de nossa própria consciência e dos nossos atos. Não adianta dizer que “os tempos de hoje são ruins”. Isso só faz reforçar a ideia de que o “tempo de antes” talvez não fosse tão bom assim, ou até pior. Pois foi o tempo de antes que construiu o tempo de hoje. Fomos nós que fizemos os nossos filhos e a nossa sociedade como ela é hoje! Foram os nossos pais e os pais deles. Fomos todos nós!

Esse pequeno texto que escrevo não é muito elaborado ou complexo, para mim é uma reflexão, para vocês, um convite. Que tal refletir sobre a atitude individual de cada um de nós, eu e vocês, leitores? Questionar sobre os nossos “pequenos erros” e omissões, nossas corrupções e as violências que cometemos todos os dias de nossas vidas, mesmo sem perceber.

Não? Então, talvez seja melhor comprar mais uma arma...

Sim? Corajosos, sempre bem-vindos à reflexão...

Veja você, arco-íris já mudou de cor

E uma rosa nunca mais desabrochou

E eu não quero ver você

Com esse gosto de sabão na boca

Veja meu bem, Gasolina vai subir de preço

E eu não quero nunca mais seu endereço

Ou é o começo do fim ou é o fim...

Eu vou partir

Pra cidade garantida, proibida

Arranjar meio de vida, Margarida

Pra você gostar

Essas feridas da vida, Margarida

Essas feridas da vida, amarga vida

(Vital Farias)

Danilo Goulart

Psicólogo CRP 19/2692

Psicanalista em formação pela SPRPE

Membro do NPA

Presidente e membro-fundador do IPFR

Coordenação: Danilo Goulart