Essa tal felicidade

12/04/2018

Demorei mais do que gostaria, porque escrever sempre me faz bem.

Por sinal, porque não fazemos aquilo que nos faz bem realmente?Escrever, ler bons livros, caminhar, estar com quem amamos, ter tempo livre...

Acho que não só sou eu quem acaba não fazendo o que gosta. Mas, porque?

Muitas vezes eu me perguntei porque as pessoas não praticam o que “é bom para a saúde” por mais que se recomende? Sou da década de 80, quando se iniciou o culto ao corpo saudável e, talvez por isso, sempre fui tão arraigada às práticas saudáveis.

Mas hoje, até a felicidade é prescrita nos livros de autoajuda, blogs, na ciência com a prática abusiva de psicotrópicos. “É só curtir os filhos, sair com os amigos, ser moderado, comer salmão porque tem ômega 3, etc...”.

Passamos, assim, a seguir todas as recomendações, mas não encontramos nem mesmo a segurança de estarmos com saúde, muitíssimo menos a felicidade. As “doenças da mente”, neuroses, psicoses, perversões, nos encontram ou nós as encontramos em nosso caminho. “A pedra que havia no caminho”. Deprimimos, entramos em pânico, surtamos, nos suicidamos e foi com a psicanálise que pude perceber que há mais entre o céu e a terra que julgava minha vã filosofia, ainda bem…

Percebo ainda, que buscamos entretenimentos previsíveis. Eu não aderi, mas as séries de TV, com histórias repetidas a exaustão, como “Walking Dead” por exemplo, que já se sabe o que vai acontecer depois, chega a ser entediante!Mas como poderíamos encontrar algo diferente do tédio com essa nossa busca? É óbvio, mas não é fácil, percebermos que estamos entediados com a rotina das “tarefas para ser feliz”, ou evitamos experiências que possam nos deixar tristes, como frequentar lugares onde iremos encontrar pessoas que não pensam como nós mesmos.

A própria psicanálise, num dado momento histórico, achou que sabia sobre as respostas das pessoas, através de interpretações muito elaboradas. Wilfred Bion pode se desviar desse caminho emburrecedor e compreender que o pensamento nasce da experiência afetiva de cada um, e assim deveria ser também para o analista com cada um de seus pacientes.

Então, penso que não só não há receita para a felicidade, mas precaução e previsibilidade demais nos atrapalham de viver a vida e seus sabores ou dissabores. Talvez ter prudência seja mais compatível com uma vida melhor e satisfatória, pois leva em conta o que aprendemos com nossa própria experiência. Fazer o que nos dizem para fazer, não funciona para mim, nem para o paciente que procure por uma psicoterapia ou análise pessoal. Só mesmo a vivência de minha própria experiência, como a que eu terei com meu paciente poderá nortear os novos caminhos que vamos trilhar.

Então, poderei viver neurose, pânico, psicose, mas nunca tédio, nem em minha relação comigo mesma, nem tampouco em minha relação com meus pacientes.

Helena Pinho de Sá

Profa. Adjunta de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da UFS

Mestre da UFS

Mestre em Saúde Mental USP

Psiquiatra USP / Neurologista USP

Psicanalista em Formação SPR

Membro do NPA

Membro fundadora do IPFR - Aracaju

Coordenação: Danilo Goulart