A Piada do Palhaço

18/06/2018

 

A piada do Palhaço

Ouvi uma piada certa vez: Um homem vai ao médico, diz que está deprimido. Diz que a vida parece dura e cruel. Conta que se sente só num mundo ameaçador onde o que se anuncia é vago e incerto.

O médico diz: “O tratamento é simples. O grande palhaço Pagliacci está na cidade, assista ao espetáculo. Isso deve animá-lo.”

O homem se desfaz em lágrimas. E diz: “Mas, doutor… Eu sou o Pagliacci.”

Rorschach

Watchmen – Alan Moore

No presente texto não busco falar sobre a ópera composta por Leoncavallo “Pagliacci” ou do “Garrik”, mas sobre alguns aspectos que estão subentendidos na citação acima e que pude observar. Apesar de utilizar o nome de um palhaço famoso, outras piadas, contos ou anedotas possuem características semelhantes, ao trazer a contradição no palhaço melancólico.

Este pequeno trecho, retirado da obra “Watchmen”, é apresentado como a piada do palhaço Pagliacci. Apesar de breve, nessas poucas palavras, está contido significado tão denso que poderia se tornar uma obra por si só. No texto vemos, que não se trata de qualquer palhaço, mas do “grande palhaço Pagliacci”. A grande tarefa de um palhaço é a de trazer divertimento e alegria para aqueles ao seu redor, mas no entanto, aquele que é exímio em sua tarefa, não consegue sentir um pedaço sequer da alegria que transmite para seu público.

Não conhecemos o ser humano a fundo, mas temos algumas pistas sobre quem ele é. Alguém que sente a vida dura e cruel, que se sente sozinho em um mundo ameaçador pelos anúncios de seus acontecimentos serem vagos e incertos.

Temos aí, na comunicação de seu sofrimento, fatos a levar em consideração. Nada que se anuncia no mundo ou na vida é certo ou escancaradamente claro. Por mais que deseje e tente o ser humano não pode ter certeza do que irá acontecer. Nada pode ser previsto. Testemunhamos várias ditas previsões não se concretizarem, inclusive as próprias previsões do tempo. Podemos apenas nos conformar, na expectativa de que fatos planejados se concretizem. O homem Pagliacci parece trazer ao médico o medo que tem daquilo que é incerto e desconhecido a ele e não pode se tornar conhecido por outro método que não o da experimentação.

Na possibilidade da experimentação ele se depara com mais um sofrimento: o de sentir-se sozinho nesse mundo. Isso é outro fato da vida que está implícito na piada acima. Cada pessoa tem seus próprios órgãos dos sentidos que servem para receber os estímulos do mundo, tanto externos quanto internos. A partir dessas sensações é que existe a possibilidade do nascimento de emoções e sentimentos. Então, nesse mundo incerto e vago, que exige a experiência para ser conhecido no momento desta, o homem Pagliacci está realmente só, tendo em vista que ninguém poderá experimentar por ele mesmo. Não se sabe se um determinado alimento é bom ou ruim oferecendo-o para outra pessoa provar.

Vendo isso tudo, parece que Pagliacci teme a experiência e se recolhe por trás da pintura de palhaço, para que não precise viver como Pagliacci, mas como o palhaço Pagliacci, que traz alegrias para aqueles que vivem em um mundo tão aterrorizante. Talvez tentando viver na felicidade dos sorrisos que provoca, saborear a comida provada pelos outros. Ao final, talvez de forma não intencional, o médico lhe deu uma grande sugestão para o seu momento: Por que não aproveita que você está aqui e vai se encontrar consigo mesmo?

Artur Ranieri Côrtes Andrade

Psicólogo CRP 19/3144

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Coordenação: Danilo Goulart