Quando perder é ganhar

15/09/2015

 

Quando Perder é Ganhar

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Diante do processo de industrialização e todas as consequências familiares e sociais que aconteceram desde o século passado, a partir da Inglaterra, passamos a viver em um mundo que estimula o consumo desenfreado de coisas desnecessárias para manter uma economia que precisa crescer para “dar qualidade de vida às pessoas”. O capitalismo se tornou a lei do mercado e passamos a viver em uma selva de pedra. Vence o mais forte! Independente da forma como essa vitória ocorra. Precisamos ganhar, sempre. Perder, nunca.

Essa dicotomia, baseada em uma expectativa de que só seremos felizes se conseguirmos superar os outros, traz como pano de fundo outro aspecto muito sério: a incapacidade de abrir mão de algo. Abrir mão de algo é ceder para que todos ganhem. É se permitir fazer escolhas que contemplem e nos mostrem que não se pode ter tudo. Em outras palavras, é se permitir olhar para nossos vazios (internos) e aprender a suportá-lo. Suportar que podemos fazer um esforço e, não necessariamente, seremos recompensados externamente, o tempo todo, com prêmios e elogios que preencham esses estados de falta.

Quando eu possuo um dinheiro que conquistei de forma árdua e quero preservá-lo ou mantê-lo em segurança, eu preciso colocá-lo no Banco. O Banco irá guardá-lo, mas me cobrará uma taxa para isso. Quer seja uma taxa de manutenção de conta, quer seja uma taxa ou imposto para o governo por essa operação. Eu preciso me permitir perder uma parte deste dinheiro, para poder mantê-lo seguro. Pago um preço para não correr riscos. É muito interessante quando se fala sobre isso porque é comum ouvir reclamações do tipo: são muitos impostos, muitas taxas que se tem de pagar! É verdade! Tudo tem um lado bom e um lado ruim.

Não existe felicidade sem tristeza. Não existe remédio sem efeitos colaterais. Tudo, na grande maioria das vezes, é um copo meio cheio e meio vazio. É o nosso olhar que irá nos permitir dizer se vamos ficar todo o tempo olhando para o lado cheio (hipomania), para o lado vazio (depressão) ou para todo o copo e se permitir compreender a vida em um aspecto mais amplo em que se ganha e se perde todo o tempo.

Quando um carro se põe à minha frente, querendo passar em um trânsito caótico, cabe a mim decidir se vou disputar o espaço com ele e correr o risco de bater ou ceder a passagem , evitando confusões e possíveis acidentes.

Ganhar é perder, principalmente nas nossas relações. Passa-se muito tempo tentando provar para o outro que o nosso jeito de pensar é o correto, que nossas decisões são as mais acertadas e que o nosso conhecimento é o mais importante. Imagine se duas pessoas passassem a discutir tentando provar, cada qual, a sua verdade? Teremos um conflito sem fim. Mas se uma das duas abre mão da sua verdade para ouvir e aceitar a da outra, em tese, estaria perdendo, por permitir que a “verdade”, ideia, desejo do outro predominasse. Mas o que acontece é que se você permite que o outro conduza a situação do jeito dele, os dois estarão ganhando, porque um terá a oportunidade de vivenciar a crença do outro e você poderá estar junto, ao invés de brigado.

Mas se o outro estiver errado? Somente a vivência poderá provar isso. Pode ser que quem esteja errado seja você. Ou pode ser que ninguém esteja certo ou errado. O fato de o copo estar meio cheio e também meio vazio não quer dizer que alguém esteja certo. Quer dizer que existem diferenças de olhares e essas diferenças podem ser somadas na transcendência para um olhar mais ampliado do mundo.

Às vezes, perder é perder. Uma partida de futebol perdida, um campeonato perdido, um emprego perdido, um amor perdido... Mas ainda assim perder é ganhar se a experiência puder acrescentar algo à pessoa. Aprender a perder, a ficar em falta, a suportar o vazio é uma das grandes lições que podemos ter com a vida.

Petruska Passos Menezes

Psicóloga CRP19/0636,

Psicanalista IPA

data de publicação: 15/09/2015