Espelho, espelho meu...

02/06/2015

 

Espelho, espelho meu...

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Encontrar amigos é muito bom. Conversar, “jogar conversa fora” nos faz bem. Foi em uma roda de conversa com amigos que surgiu o tema: você vive bem sozinho? Muitas pessoas em novas etapas da vida passaram a morar só. Contrabalançando os eternos adolescentes de 40 anos que ficam morando com os pais, uma outra parte da população procura seu próprio canto para viver – com ou sem filhos. É nesse momento que, de repente, você se vê dentro de uma casa ou apartamento parado, olhando ao redor e não tem ninguém a não ser seu espelho.

Nessa roda de conversa, alguns colegas falaram como é difícil suportar estar consigo. Chegar em casa depois de um dia de trabalho e encontrar a casa “vazia” e tudo em silêncio. Entretanto, é somente quando nos permitimos estar a sós conosco que realmente podemos ter a experiência de nos ouvir e isso pode ser tanto transformador como assustador.

Olhar para dentro é olhar nossas qualidades, virtudes, mas também olhar para coisas nossas que não conhecemos, olhar nossas fraquezas, nossos defeitos e ter a certeza de que não somos aquilo que idealizamos ser. Realmente é necessário ter uma capacidade de suportar não ser tão perfeito como nossos pais falavam quando éramos crianças ou como acreditávamos ser por um determinado tempo até a adolescência.

Em época de relações líquidas, como Bauman nos diz, é insuportável estar com alguém que não é o que esperávamos, pois, esta pessoa é diferente de nós (óbvio, pois ninguém é igual a ninguém) e possui muitos defeitos, limites e vícios. Mas também não conseguimos ficar sós, pois em casa, em frente ao nosso reflexo do espelho, esse nos mostra muito. Bartolomeu Campos de Queirós, em seu livro ‘Vermelho Amargo’, nos diz: “O espelho é a verdade que, ainda hoje, mais me entorpece. Espelho sustenta o concreto e prefiro a mentira dos sonhos nas manhãs frias e secas” (p.13).

Em um mundo onde o ideal tem de ser o real, as fantasias são brincadeiras sérias que nos permitem ver as cores de um mundo preto e branco, e se confundem com a realidade, trazendo um impasse ao ser humano. A falta de um amor a mim mesma, talvez por falta de quem pudesse me amar como sou em uma infância remota (só talvez!), dificulta a possibilidade de me amar como sou hoje. Então passo a procurar modelos impostos pelos outros para ser aquilo que não sei que sou.

Amigos que moram sós,somente se permitindo ser só é que podemos nos conhecer. E assim como dá um frio na barriga quando estamos conhecendo outras pessoas em que estamos interessadas, permitam-se sentir esse friozinho quando estiver consigo. É um friozinho de medo, receio de se machucar, de sentir dor, talvez até de morrer ou de viver, mas esse friozinho faz parte da vida e do amadurecimento de SER. Ser você.

Se permitindo suportar estar só e olhando para si, além dos medos e dores, vocês poderão sentir a grandeza da liberdade, a possibilidade de se permitir transformar/mudar e, como uma bela ave, alçar voos mais altos. É muito bom estar com amigos e compartilhar tristezas e alegrias, mas também é muito bom chegar em casa e se olhar no espelho. Ver a nova ruga que apareceu e que pode significar que ali tem a representação de uma ou várias vivências. Ver nos olhos e transpor a pele para o mergulho em outro mundo, no nosso mundo particular, só nosso e, por ser nosso, tão belo. E agora, quem se arrisca a chegar em casa e se olhar no espelho?

Petruska Passos Menezes

Psicóloga CRP19/0636,

Psicanalista IPA

data de publicação: 02/06/2015