Saudade

18/03/2014

 

Saudade

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Lembrando-me da linda canção “Qui nem jiló”, do inesquecível Luiz Gonzaga, percebo como o poeta revela conhecimento da alma humana ao explicar a saudade – de forma intuitiva, mas ao mesmo tempo tão plena, entregue e profunda: “Se a gente lembra só por lembrar / o amor que a gente um dia perdeu / saudade inté que assim é bom / pro cabra se convencer / que é feliz sem saber / pois não sofreu / porém se a gente vive a sonhar / com alguém que se deseja rever / saudade, entonce, aí é ruim / eu tiro isso por mim / que vivo doido a sofrer”.

Gonzaga fala ao povo de uma forma clara e simples como acontece a saudade. Em outras palavras, a saudade é a presença na ausência. Ter saudade é lembrar-se de alguém ou de algo que não está presente e, mesmo assim, se sentir pleno. É como se a lembrança nos envolvesse e nos preenchesse temporariamente, já que não temos nosso bem ao nosso lado. Esse tipo de saudade serve “pro cabra se convencer / que é feliz sem saber / pois não sofreu”. Porém, se a pessoa de quem sentimos saudade não está afetivamente instalada dentro de nós, a saudade dá espaço unicamente para o sentimento de falta que corrói e nos traz a sensação de vazio.

Na Psicanálise, usamos a palavra “internalizar” para nos referirmos à capacidade de trazer pra dentro de nós representações daquilo que está ao nosso redor e que nos é importante: uma lembrança de algo ou alguém a quem dedicamos tempo e investimento afetivo. Para se ter saudade, é necessário internalizar essa coisa ou pessoa de quem gostamos e com quem construímos laços “pra pertinho do coração”. A saudade é uma lembrança leve, doce e serena de tempos, momentos e pessoas que nos fizeram nos sentir bem.

Quando “se vive a sonhar” e a lembrança não está plenamente guardada, abre-se um espaço, um vazio que necessita ser preenchido. O próprio Gonzaga diz como esse sentimento dói e mostra uma forma de ajudar a suportá-lo: ai quem me dera voltar / pros braços do meu xodó / saudade assim faz roer / e amarga qui nem jiló / mas ninguém pode dizer / que me viu triste a chorar / saudade, o meu remédio é cantar.

Quando a ausência é sentida tão intensamente que dói e amarga, preencher essa falta com arte, com música, é uma forma de preencher o vazio, dando ao nosso “coração” um lindo tipo de carinho e afago, para que, por mais um tempo, ele suporte esse momento de afastamento e quiçá possa continuar o seu caminho mesmo sem aquilo que está fazendo falta. Que tal cantar da próxima vez que sentir saudade?

Petruska Passos Menezes

Psicóloga CRP19/636,

Psicanalista em Formação pelo NPA/SPRPE

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data de publicação: 18/03/2014