A verdade e as mentiras

21/10/2014

 

A Verdade e as Mentiras

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Bion afirmou que a Verdade é um alimento para a mente. A ideia fundamental deste autor é que a Verdade para se tornar alimento da mente, precisa antes de um cozimento, ou seja, a verdade externa é transformada, cozida pelo aparelho mental e com isto tornada pessoal.

Um corpo que não recebe alimentos ou os recebe intoxicados, contaminados sofre, desnutre, definha, adoece e pode morrer.

E uma mente que não recebe o alimento da verdade ou que o recebe intoxicado? O que acontece com esta mente?

Foi na antiga Grécia, por volta do IV século a. C., que surgiu o diálogo socrático. Era na praça pública da antiga pólis que se construíam conhecimentos sobre moral e filosofia por meio do método – a maiêutica - no qual perguntas eram lançadas com o intuito de fazer as pessoas pensarem e descobrirem as respostas que estavam dentro delas mesmas à espera de uma colheita. Acredito que os gregos antigos já detinham o conhecimento de que era por meio de preconcepções que os pensamentos surgiam e depois disto poderiam ser transformados em ideias e ações. Perguntar, perguntar e perguntar colocava os cidadãos a pensar e descobrir que eles próprios detinham sabedoria e conhecimento e, que, muitas vezes, nem ao menos sabiam que tinham. Este é o modelo de funcionamento mental proposto por Bion através de sua teoria da mente. A busca pela Verdade está implícita neste modelo teórico. Bion afirma que é desta forma que surgem as controvérsias. E é da controvérsia que se forma o broto de onde o conhecimento inicia a produção de seus frutos. Só que a controvérsia para que dê frutos, necessita de confrontações legítimas e genuínas, pois se isto não acontece corre-se o risco de que os argumentos controversos se esgotem e terminem em um bate-boca estéril, inútil entre pessoas com diferentes pontos de vista.

É sempre difícil falar em política, eleições e políticos. Porém não temos como nos isentar desse debate. Vivemos, atualmente, mais um momento decisivo em termos de definições políticas. A propaganda eleitoral ocupa amplos espaços nos ambientes familiares e profissionais e também nos consultórios de psicanalistas. O que fazer? Em quem votar? E do que é que temos que abrir mão na hora do voto?

Refletindo sobre a escolha a ser feita nas próximas eleições, lembrei-me de Viva a Liberdade, último filme de Roberto Andò, no qual Tony Servillo vive, ao mesmo tempo, dois personagens. Um deles é um político profissional que, repentinamente, parece esgotar-se do modelo que fora vivido até então. Ele se retira da cena eleitoral deixando seus correligionários em uma situação quase sem saída. É seu irmão gêmeo quem surge para salvar o partido. O que acontece, então, pode ser considerado como um fato político. O irmão gêmeo sem ser um profissional da política, introduz por meio de um discurso filosófico o ânimo e entusiasmo que seus partidários necessitavam. Ele é capaz de transformar a rigidez e o peso do discurso político vigente em um discurso incisivo e vigoroso, ressuscitando dessa forma o desejo de eleger um representante capaz de renovar as esperanças de mudanças e transformações naquela comunidade. Em uma das cenas do filme, no qual ele está em um comício, no lugar de usar o discurso político usual e recorrente que enfada, enjoa, enoja ele vai pela via da filosofia. A Verdade. O que transparece em sua fala é o desejo e a busca da Verdade. Que bela saída! Os eleitores italianos percebem a diferença e confraternizam numa alegria só. O discurso filosófico os inflama, transbordando de emoção, desejo, vontade de ser, de fazer e mudar o status quo.

É difícil resistir à tentação de transportar o conhecimento deste modelo teórico de Bion para o que temos assistido nos acontecimentos nacionais. Mentiras, ataques, acusações, xingamentos e desrespeitos...

Voltando ao filme, Viva a liberdade, em uma cena na qual alguém acusa o candidato de faltar com a verdade ele responde que ali, ele está representando seus eleitores o que me pareceu um compartilhamento de responsabilidade em relação a situação vivida. Eu, aqui neste lugar, sou o representante de vocês. Somos, portanto, responsáveis pela representação que escolhemos.

A esperança está no insaciável e inesgotável apetite mental pelo alimento da verdade para nutrir nossas mentes. E, me parece que é este o ponto que merece espaço para reflexão.

Elena Tomasel

Psicóloga

Membro Aspirante da Sociedade Psicanalíticade Porto Alegre – SPPA

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data de publicação: 21/10/2014