Entrevista com Fernando Santana (SPRPE)

01/07/2016

Presidente da Sociedade Psicanalítica do Recife, José Fernando de Santana Barros estará presente no Congresso Internacional Sobre o Corpo em Psicanálise - IX Encontro Ítalo-Brasileiro de Psicanálise, participando da mesa de abertura no dia 29 de Julho, que também celebra o lançamento da edição brasileira do livro "Corporeidade - O objeto originário concreto: uma hipótese psicanalítica em expansão", e do encerramento no dia 30 de Julho. Nesta entrevista, o psicanalista abordou questões importantes relacionadas à formação na Sociedade, congressos e eventos previstos para o ano de 2016, além de discutir e refletir sobre as particularidades do pensar e da prática psicanalítica. Confira:

Entrevista elaborada pela Assessoria de Comunicação do Núcleo

Psicanalítico de Aracaju

NPA: A nova turma de formação psicanalítica do Instituto de Psicanálise da SPRPE conta com 7 candidatos de Aracaju, além de um oitavo candidato, também de Aracaju, que está concluindo sua formação pela mesma Sociedade. Por outro lado, dois psicanalistas membros da SBPSP, Sônia e Yusaku Soussumi, transferiram-se para Aracaju e pediram filiação à SPRPE e ao NPA. Qual a importância desse movimento para a SPRPE e para Aracaju?

Fernando Santana: Acredito que os candidatos do NPA, bem como a inclusão dos Drs. Yusaku e Sônia Soussumi que acabam de entrar na SPRPE, dão provas de que nossa Sociedade continua atendendo à sua vocação de ser pólo difusor da Psicanálise no Nordeste. Neste sentido, a SPRPE demonstra estar cumprindo com sua função não só de difundir mas, sobretudo, de desenvolver a teoria e a prática da Psicanálise.

NPA: Quais são os requisitos necessários para se tornar candidato associado à SPRPE?

Fernando Santana: Para se tornar candidato, antes mesmo de ser associado à SPRPE, o postulante necessita se inscrever no Instituto de Formação desta Sociedade, fazer as entrevistas de seleção e, se aprovado, iniciar sua análise didática, e cumprir com as exigências do Instituto que implicam em continuar sua análise pessoal, assistir aos cursos teóricos e seminários clínicos, bem como as supervisões oficiais.

NPA: Tendo contato constante com novos candidatos em formação, como você enxerga atualmente a dimensão do tornar-se psicanalista?

Fernando Santana: Tornar-se psicanalista hoje significa assimilar a teoria e a prática psicanalítica fundada e desenvolvida por Freud, bem como aceitar o desafio de continuar sendo analista no século XXI com toda sua ideologia de consumo máximo e velocidade intensa em todas as atividades humanas. Isto significa ser psicanalista não somente na prática consultorial mas em todas as situações que tenham sentido humano.

NPA: O Congresso Internacional Sobre o Corpo em Psicanálise, previsto para ser realizado nos dias 29 e 30 de Julho em Aracaju, traz como tema "Da sensação ao pensamento: a função organizadora dos órgãos dos sentidos". De que maneira você enxerga a centralidade que discussões relativas à questão do corpo vem tomando nos encontros e debates psicanalíticos?

Fernando Santana: Entendo que esta questão é fundamental, desde que se entenda que o corpo psicanalítico não é o corpo da anatomia mas o corpo erógeno que fundamentou a teoria e a prática psicanalítica de Freud desde o seu início na compreensão do fenômeno histérico. Por outro lado, considerar a função organizadora dos órgãos dos sentidos, implica em estudar o fenômeno perceptivo como fundador da atividade mental. Implica, portanto, reestudar a noção de Percepção que é o fundamento das noções básicas psicanalíticas, tais como, a repressão e o inconsciente. Para tanto se faz necessário uma crítica à noção de percepção da Psicologia Clássica do século XIX, levando em conta o desenvolvimento desta noção nas contribuições da Psicologia e da Filosofia modernas, sobretudo nas contribuições da Fenomenologia.

NPA: De 13 a 17 de Setembro desse ano a Federação Psicanalítica da América Latina (FEPAL) promove o 31º Congresso Latino Americano de Psicanálise, que será realizado na Colômbia. Poderia nos falar mais sobre a importância desse encontro?

Fernando Santana: O Congresso da FEPAL é sempre muito importante para os psicanalistas da América Latina que têm, assim, uma oportunidade de mostrar sua contribuição para a Psicanálise, libertando-se das amarras de uma ideologia colonialista que atinge todos o setores de nossa cultura. Creio, ainda, que uma dimensão muito importante do encontro é que nele duas línguas muito próximas são faladas e sabemos a importância da língua em Psicanálise, pois o inconsciente se faz revelar através da linguagem, por meio de expressões simbólicas discursivas e não-discursivas. São elas reveladoras de sentidos e significados contidos no discurso do analisando.

NPA: Além da formação de novos analistas, na sua opinião, quais seriam as atribuições das instituições de psicanálise ao levar em conta a divulgação do conhecimento psicanalítico no espaço social e cultural?

Fernando Santana: Certamente a divulgação do conhecimento psicanalítico no espaço social e cultural é muito importante. Freud já tinha esta preocupação quando em 1916-17, organizou as famosas Conferências Introdutóriaspara um público leigo em Psicanálise. Esta disciplina sempre teve uma aceitação e influência na cultura talvez por ter se originado dela. Na verdade, o método psicanalítico descoberto por Freud se originou da cultura de sua época quando se percebeu que a ciência daquele tempo era incapaz de dar respostas eficazes ao problema do absurdo que era a construção do mundo e do ser humano. Freud foi buscar nos porões da cultura o método interpretativo relegado que estava em função dos métodos científicos positivistas com suas consequências tecnológicas. O método interpretativo estava restrito às artes, à literatura, à filosofia e Freud o resgatou, inventando o método psicanalítico, com a certeza de ser o único capaz de entender o absurdo.

NPA: Como transformações culturais e sociais tem influenciado o exercício da psicanálise no Brasil?

Fernando Santana: As transformações sociais e culturais, não só no Brasil, têm influenciado o exercício da psicanálise no sentido de lembrar-nos que a Psicanálise tem a vocação de ser a ciência geral da psique, vale dizer, a visão psicanalítica deve estar presente em tudo que tenha sentido humano. Freud pensava deste modo ao escrever seus trabalhos ditos sociológicos ou antropológicos. Pena que as gerações de psicanalistas após Freud entenderam a Psicanálise apenas como uma prática de consultório. As influências sociais e culturais parecem estar sempre desafiando o psicanalista a continuar sendo psicanalista no meio de tantas dificuldades impostas pela sociedade de consumo imediato e veloz, inoculando nas pessoas uma dificuldade enorme de pensar e refletir.

NPA: Em quais aspectos a prática psicanalítica, desde a formação até o próprio trabalho clínico ou institucional, se difere de um olhar eminentemente acadêmico ou com um viés apenas profissionalizante?

Fernando Santana: A prática psicanalítica tem um compromisso único com a descoberta da verdade psíquica. O psicanalista não é um profissional “tecnologizado” mas aquele que tenta desvelar os sentidos produzidos pelo inconsciente, não permitindo que o método tenha descanso. Enfatizo a expressão “os sentido produzidos pelo inconsciente", pois na verdade o inconsciente não tem sentido, ele apenas os produz. Deste modo, a formação do candidato deveria ser mais voltada para o método do que para as técnicas e teorias, é claro, sem delas descuidar.

NPA: A partir da sua experiência, o que diria para as pessoas mais novas interessadas na psicanálise?

Fernando Santana: Diria para as pessoas mais novas interessadas na psicanálise que antes de mais nada tenham interesse e fazer sua análise pessoal, pois é a partir deste interesse em conhecer a si mesmo, que outros conhecimentos psicanalíticos vão ganhando sentido. A análise é uma experiência emocional imprescindível para a compreensão da experiência emocional de outro.