Na corda bamba da vida
06/06/2014
Na corda bamba da vida.
Quer imprimir ou arquivar? Clique aqui.
O Que É, O Que É?
(Gonzaguinha)
Eu fico
Com a pureza
Da resposta das crianças
É a vida, é bonita
E é bonita...
Viver!
E não ter a vergonha
De ser feliz
Cantar e cantar e cantar
A beleza de ser
Um eterno aprendiz...
Ah meu Deus!
Eu sei, eu sei
Que a vida devia ser
Bem melhor e será
Mas isso não impede
Que eu repita
É bonita, é bonita
E é bonita...
E a vida!
E a vida o que é?
Diga lá, meu irmão
Ela é a batida
De um coração
Ela é uma doce ilusão
Hê! Hô!
E a vida
Ela é maravilha
Ou é sofrimento?
Ela é alegria
Ou lamento?
O que é? O que é?
Meu irmão...
Há quem fale
Que a vida da gente
É um nada no mundo
É uma gota, é um tempo
Que nem dá um segundo...
Há quem fale
Que é um divino
Mistério profundo
É o sopro do criador
Numa atitude repleta de amor...
Você diz que é luta e prazer
Ele diz que a vida é viver
Ela diz que melhor é morrer
Pois amada não é
E o verbo é sofrer...
Eu só sei que confio na moça
E na moça eu ponho a força da fé
Somos nós que fazemos a vida
Como der, ou puder, ou quiser...
Sempre desejada
Por mais que esteja errada
Ninguém quer a morte
Só saúde e sorte...
E a pergunta roda
E a cabeça agita
Eu fico com a pureza
Da resposta das crianças
É a vida, é bonita
E é bonita...
Em que consiste a vida? Quando ela começa? Quando ela termina? Os cientistas, os filósofos, as religiões, todos procuram essas respostas. Tudo que sabemos é que estamos em um eterno continuumde mudanças. A graça e a sabedoria da vida, na verdade, é saber vivê-la. É poder aproveitar da melhor forma possível o que está depois do início até os segundos antes do fim. Não sei ao certo se esse seria o objetivo da Psicanálise, mas gostaria de acreditar que sim.
Para Darwin (2003), a vida é uma sucessão de adaptações ao meio, que ele chama de evolução. Penso que os seres vivos procuram se adaptar ao meio e transmitir essa adaptação aos descendentes de forma a perpetuarem sua espécie e, de certa forma, se perpetuarem, se manterem vivos através do ser que continua. Darwin nos fez pensar sobre a possibilidade de o desenvolvimento mental e, consequentemente, o psíquico ser algo evolutivo. Algo “inventado”, evoluído pelo ser humano para conseguir melhores adaptações ao meio que o cerca e batalhar por sua vida. O mais interessante é que, para melhor se adaptar, faz-se necessário não trazer condições pré-determinadas. Mais especificamente falando, um filhote de um réptil ou anfíbio nasce e já sabe se cuidar. Não precisa de um pai e uma mãe que o alimente, que o acolha, nem que o ensine a caçar para sobreviver. Isso, no desenvolvimento animal sugerido por Darwin, não acontece nos animais superiores. Os mamíferos precisam de cuidados parentais como algo fundamental para sobreviver. Um leãozinho precisa mamar e, quando ele cresce um pouco, a mãe vai caçar para alimentar todos os filhotes. Com mais um pouco de crescimento, ele começa a brincar, e a brincadeira dos animais, como a dos seres humanos, imita a vida do adulto. Os filhotes brincam de caçar, de pegar, de morder. A brincadeira prepara para a vida e, quando são jovens adultos, vão aprender a caçar ou a assumir sua responsabilidade no grupo.
Quanto maior a complexidade do ser vivo, mais potencialidade adaptativa existe e, como consequência da possibilidade de desenvolvimento e aprendizado, menos respostas unicamente instintivas possui. Isso dá ao ser uma plasticidade adaptativa maior, mas exige em contrapartida o aprendizado e o exemplo. Essa dependência passa a exigir dele uma capacidade de comunicação e compreensão do outro, e gostaria de especular aqui que ela se manifesta por pré-sensações ou pré-emoções. Quando me refiro a pré-emoções, quero enfatizar que os mamíferos, de alguma forma, passam a poder entender o que o outro sente através da sonoridade, do comportamento, do contato corporal, e alguns animais, através do olhar.
Especialistas em comportamento animal afirmam que os animais possuem algo que no homem chamamos de personalidade. Nos cães, por exemplo, é chamado de cinolidade[1]. Assim, animais da mesma espécie têm comportamentos diferentes diante das adversidades. A personalidade, nos homens, como nos demais mamíferos, é consequência da plasticidade adaptativa evolutiva, que permite que o ser vivo possa absorver e aprender novos comportamentos não-ensinados diante de vários processos, por exemplo, o de tentativa e erro, agregando novas ações mais bem adaptadas.
Sendo o homem uma das espécies mais desenvolvidas, imagine como é fantástica a maleabilidade humana. Tendo a permeabilidade e a mente insaturada, o bebê humano pode evoluir ou aprender de forma melhor. Junta-se a sua memória orgânica – compreendo como memória orgânica o DNA e RNA – a memória cultural da espécie, ou seja, o ontogenético e o filogenético. A interação entre a vida enquanto ser e as influências do meio dá a cada indivíduo a possibilidade de ser único.
Essa construção ou “costura” entre aquilo que sou e trago comigo e aquilo que absorvo do que está ao meu redor sofre a influência da dimensão temporal, que cria um time único para cada um[2]. Esse time (tempo) vai dando ao indivíduo a possibilidade de se desenvolver sofrendo as influências de seu corpo e as sensações e percepções do que está ao seu redor. Foi pensando nesse modelo evolucionista de Darwin que Freud e os demais psicanalistas, de uma certa forma, apropriaram-se dele, compreendendo que a mente ou função mental e todo o psiquismo envolvido são consequência da evolução que o ser humano atingiu em seu desenvolvimento (Freud 1950/1996). O psiquismo se tornou uma instância posterior (subsequente no processo evolutivo), cujo objetivo é proporcionar mais flexibilidade e adaptabilidade diante das adversidades e idiossincrasias da vida. A mente (entendendo como mente a possibilidade de pensar e usufruir da dimensão temporal em favor próprio) passa a criar uma organização temporal que permite armazenar informações passadas, pensá-las e projetar decisões futuras baseadas na experiência (vivência) e nas deduções (hipóteses – criações – o que é novo e ainda não foi vivido).
A memória, nesse modelo de pensamento, ganha um novo significado, que irá se somar ao funcionamento inconsciente, presente desde todo o sempre, considerando-se o inconsciente algo intrínseco ao homem, que perpassa a consciência e possui uma parte incognoscível que jamais poderá ser consciente (Ferrari, 2000).
Junto à consciência e ao inconsciente, existe um outro funcionamento, separado somente por questões didáticas, que entendemos como o sistema emocional. Na evolução, buscando compreender melhor a nós mesmos e ao meio, as emoções/sentimentos trazem a possibilidade de perceber a vida/prazer e evitar situações desagradáveis/morte. A afetividade passa a ser a possibilidade de interação com o nosso corpo como um todo. Corpo enquanto Ser e, nesse momento, abrangendo e integrando o mental e o corporal (Esperidião-Antônio, 2008).
Se consigo perceber o que me acontece e essa percepção se une a um significado, a situação passa a ter um sentido para mim que é em direção à vida, ao encontro comigo e com o outro, ou torna-se algo desprazeroso e que deduzo (não sei se corretamente) que pode me levar ao sofrimento ou à morte. Diante disso, toda relação, por ser relação, traz como característica a presença da afetividade. Afetividade mesmo quando aparentemente oculta ou reprimida e, portanto, não-sentida. Afetividade que se faz presente no corpo através de respostas também autonômicas, endócrinas, motoras e esqueléticas. Nesse sentido, a afetividade é uma evolução das sensações que tem como força motriz a pulsão.
Os animais que mais se aproximaram dos seres humanos e passaram a conviver conosco foram os cachorros. Existe uma teoria[3] segundo a qual eles descendem de lobos, que inicialmente se aproximaram dos homens buscando alimentos e, em contrapartida, oferecendo proteção. Essa característica fez com que os homens selecionassem os animais que mais interagiam, e daí surgiram os cachorros. O cachorro tem uma capacidade muito boa de compreender alguns estados afetivos humanos. Ele sabe quando nós estamos sofrendo, quando estamos alegres, tristes ou doentes. E se torna solidário afetivamente. Esses estudos me ajudam a especular que nosso desenvolvimento afetivo é consequência do processo evolutivo e que algumas espécies, de alguma forma, já apresentam isso no próprio desenvolvimento.
Investigando um pouco melhor o ser humano, Freud já falava de uma força vital que impulsiona para a vida, que é a fonte motriz do psiquismo e que vem do somático. Ele chama essa força de pulsão e a descreve como uma energia que está entre o somático e o psíquico (Freud 1915/1996, p. 127).
Tendo essa visão mais ampliada do nosso funcionamento humano, gostaria de poder especular um pouco sobre as nossas relações humanas, que impreterivelmente começam por nossos pais ou substitutos e que, como primeiros exemplos, vão pautar nossa vida como modelos, que poderão ser repetidos ou repensados e reconstruídos.
O primeiro contato do bebê (além de si) é sem dúvida com a mãe. Estudos apontam para a interação mãe-bebê ainda no útero. Tais interações são físicas (corpóreas) e emocionais (separadas somente para uma melhor compreensão). Quando a mãe está triste, libera em seu corpo hormônios e outras substâncias, que perpassam o cordão umbilical e interferem no bebê. Substâncias e alimentos ingeridos também. Sua voz, seu comportamento, de alguma forma, são percebidos pelo bebê. Após o nascimento, esse vínculo criado na vida intrauterina se transforma, mas permanece. Bebês que têm a possibilidade de serem cuidados pelos pais biológicos têm maior tendência a se acalmarem ouvindo o som da voz da mãe, que é um som conhecido, por exemplo. O pai também participa dessa relação tanto se fazendo presente como pela memória (representação) e afetividade da mãe.
Desde o início, passa a existir a triangulação que Freud nomeou de Complexo de Édipo. Nessa nova família, o bebê pede intensos cuidados dos pais e, através deles ou de quem cuida, recebe o necessário para sobreviver, como o alimento e o afeto. Essas vivências vão sendo apreendidas (consciente-inconscientemente) e irão se somar ao que o seu corpo (fisicidade) produz para que ocorra o crescimento.
Como o bebê e a criança dependem dos pais, o valor dado a estes é importante. Os pais se tornam a extensão do bebê para a continuidade da vida. Somente com o amadurecimento corporal e maturacional, o organismo vai criando condições de ter maior autonomia. Também através dos pais, o seu mundo externo e o seu mundo interno (emoções/sentimentos/pensamentos) começam a ser nomeados. A criança sente um desconforto e chora. A mãe a pega no colo, pergunta se ela está com fome e lhe dá o seio. Ela instintivamente mama e descobre que seu desconforto corporal diminui. Com a repetição dessa cena, vai aprendendo a interagir com o outro e “pensa”: choro é igual a seio. Mas, quando chora e o seio não aparece, a dor tende a aumentar. Seu ódio contra o seio mau que não a quer alimentar a mobiliza. A construção que Melanie Klein chama de posição esquizoparanoide passa a predominar (Segal, 1975). Com o tempo, a repetição de ora chorar e receber o seio, ora não, vai levando a criança, juntamente com a capacidade da mãe de nomear e integrar essas explosões de sentimentos, a uma outra possibilidade de pensamento, a um posicionamento diante de objetos mais integrados (o seio bom é também o seio mau, ou seja, o seio da mamãe é um só e tem características boas e más).
Nesse momento, o vínculo com a mãe é extremo, e é insuportável pensar viver sem ela. O bebê, e depois a criança, quer essa mãe para si. Uma mãe que corporalmente já fez parte dele(a), visto que eram dois em um na gravidez. Com as frequentes aparições do pai, o bebê passa a interagir com ele também e, do mesmo modo, a receber alternadamente estímulos que podem ser entendidos como carinho ou desprezo (na mente do infante, função paterna que pode ser feita pela própria mãe ou qualquer outra pessoa). Mais crescido, ele descobre que o pai e a mãe são diferentes e instala-se definitivamente o Complexo de Édipo em suas infinitas formas.
Infinitas formas porque cada pessoa vai reagir de acordo com o que tem condições de ser e sentir com a corroboração do meio. Assim, a menina pode se identificar com a mãe e amar o pai desejando aquilo que ela não tem (o falo), mas pode também assumir uma postura que não abre mão de seu primeiro objeto de amor externo, que é a mãe, e se identificar com o pai. O mesmo acontece com o menino. Por medo de ser castrado, identifica-se com o pai e deseja a mãe ou, buscando defender-se de um pai julgado de alguma forma tirânico e extremamente superegoico, ignora o seu falo, identifica-se com a mãe e deseja o pai. Existem muitas possibilidades para o “desfecho” edípico, mas, no momento, vamos nos restringir a essas.
Por que o pai e a mãe? Bom, o pai e a mãe são os primeiros objetos externos que interagem com o bebê. Por serem os primeiros, é muito provável que se tornem a principal referência para a sua interação. Tudo que nos garante a vida passa a ser prioritário para nós. Assim, a ligação afetiva com os pais (ou substitutos) é fundamental.
Freud se utilizou de uma história grega para representar todos os sentimentos que envolvem essa relação triangular. O ser humano é um ser em falta por essência. Essência essa que também se liga à necessidade da vida, pois, se não desejássemos o outro, não poderíamos perpetuar a espécie. O Complexo de Édipo mostra a necessidade de ser especial para alguém, quer seja o pai, quer seja a mãe. Especial por ser imprescindível à vida, à continuidade e ao crescimento do infante. Está construído, então, o nosso primeiro cenário com os atores presentes.
Se pudermos imaginar que esse cenário está dentro do mundo interno do indivíduo, ele o carregará por onde estiver, somente trocando as pessoas que irão atuar nos papéis da cena edípica. Como toda essa construção é por excelência inconsciente, o que vai orientar seus comportamentos são seus sentimentos, que inicialmente se vincularam aos atores iniciais e que serão transferidos para os posteriores, revezando-se de acordo com as ligações afetivas envolvidas. Esse modelo de relação triangular será repetido com outros atores, em outros cenários, visto que foi o modelo apreendido. Somente com a possibilidade de pensar (pensar, nesse sentido, é pensar mais sentir) é que essas relações podem ser reconstruídas, modificadas, e o novo pode se fazer presente e ser visto.
Esse eterno continuum em harmonizar-se, quando se refere às neurociências e ao organismo, recebe o nome de homeostase. As neurociências utilizam o termo homeostasia como uma tentativa do organismo em manter a constância de seu meio interno (Esperidião-Antônio, 2008; Lent, 2011). Gostaria de ampliar essa nomenclatura para algo além do corpo. Para algo psíquico também. Penso que todo o teatro edípico é uma oscilação e troca de papéis contínuas, para proporcionar a possibilidade de se manter o equilíbrio e, assim, mais qualidade de vida, que inclui o funcionamento orgânico e mental (separados somente para fins explicativos). Incluindo o olhar para o todo, podemos ver um movimento contextualizado e as transformações mentais que ocorrem juntamente com o desenvolvimento corporal.
Vejamos: Ferrari (2000) afirma que a constelação edípica é uma configuração dinâmica que busca o equilíbrio com a internalização das imagos do eu, da mãe e do pai, dando o apoio para a organização da identidade do sujeito e estando sempre em mudança a cada nova vivência e experiência de vida. Na fase arcaica, está ligada a elementos filogenéticos e é o ponto de equilíbrio da interação entre a dimensão horizontal e a vertical, sendo responsável pela estrutura inicial das relações interpessoais. A criança, a partir dos vínculos afetivos, toma posse das imagens parentais, que funcionam como verdadeiros objetos transicionais para uma ontogênese. Essa possibilidade de transpassar os objetos afetivos vai permitindo um maior suporte à realidade e ampliando sua capacidade de identificações, enriquecendo a estruturação da constelação edípica e permitindo o desenvolvimento da dimensão ontogenética. A latência, na constelação edípica, permite que a criança se conheça e se investigue, ampliando os processos de discriminação e de diferenciação no seu interior de sua capacidade de introjeção, que trará como consequência maior percepção do sentido de sua existência e de sua significação.
Ferrari aponta para uma busca psíquica de equilíbrio diante das diversas conjecturas e realidades que se apresentam na vida de cada um. Se utilizarmos o conceito de homeostase como algo também necessário para o funcionamento mental e, consequentemente, do ser como um indivíduo pleno e completo nas múltiplas instâncias, estamos permitindo incluir no desenvolvimento mental as sensações corporais e, nas sensações corporais, as instâncias mentais.
Passa então a ter mais sentido o conceito do objeto originário concreto (O. O. C.) e a inter-relação corpo/mente, atuante e presente todo o tempo, e não como uma instância que teoricamente só é proeminente (e angustiante) na falta de uma estrutura psíquica de contenção. Ferrari define o O. O. C. da seguinte forma:
Em nosso modelo, o somático, que definimos o Objeto Originário Concreto (O.O.C.), deve ser entendido NÃO como ‘ambiente’ do mental, nem muito menos como seu suporte, mas como um conjunto de funções (sensoriais, metabólicas etc.) que se articulam com as funções mentais. O desenvolvimento das funções mentais, e paralelamente a apreensão (registro) das sensações confusas, realiza-se através de um gradual ‘distanciamento’ mental do Ego da pessoa enquanto pessoa somática, e ocorre pois através da instituição de um relacionamento entre o Ego, visto como lugar das representações, e seu próprio corpo (UNO e BINÁRIO), e, sucessivamente, entre o indivíduo e sua própria mente (Ferrari, 1995, p. 23-24).
Assim, faz parte do ser humano buscar essa HOMEOSTASIA – não só orgânica, mas total – para a adaptação à vida, e as reorganizações edípicas são basilares e intrínsecas ao homem.
É natural que, durante a vida, nossos papéis oscilem em nosso cenário edípico. Quando nossos pais ficam idosos, assumimos a responsabilidade de cuidar deles, e os papéis se invertem. Ainda quando adultos, buscamos o colo dos nossos pais em momentos de maior turbulência e assumimos o papel de filho. Nessa sequência, o complexo edipiano reorganiza-se para se moldar à realidade apresentada.
Quando ele é relativamente bem elaborado na infância e existe uma razoável continência (holding), o medo da castração e a disputa pelo amor materno/paterno modifica-se para uma situação depressiva (Klein, 1935;1940), e a compreensão auxilia a lidar com os medos e as inseguranças. Assim, pode-se atuar melhor nas cenas edípicas seguintes – na escola, no trabalho, com os amigos. Mas, se os medos prevalecem e/ou a pulsão de morte é predominante, a triangulação sempre trará mais medo, sentimentos de exclusão/ abandono e até de destruição, que mobilizarão o indivíduo a transferir para o novo contexto da realidade seu cenário edípico interno de lutas e conflitos.
Algo que é saudável na vida adulta é a oscilação dos papéis edípicos na vida em comunidade e na própria família. A paciente ensaia esse movimento até com algum sucesso, se pensarmos que ela não adoeceu organicamente como a irmã, nem psiquicamente como a mãe. Entretanto, buscando seu equilíbrio, sua homeostase, ela sente dificuldades e sofre. Com a continuidade da análise da paciente e a conscientização de seu papel, a ideia é que ela influencie toda a família, transferindo a responsabilidade que traz para si a cada membro, e que ela possa entender sua necessidade de assumir a responsabilidade por todos, podendo pensar aspectos até então inconscientes e abrir mão desse modelo funcional.
Considerações finais
Na proposta especulativa deste trabalho, cada novo ser nasce rompendo sua simbiose concreta com o corpo da mãe, deixando de ser parte dela para construir sua individualidade e essência. Juntamente com esse rompimento orgânico (o parto), começa o movimento de individuação corporal e mental. O bebê precisa aprender a viver e a compreender-se. Precisa aprender a digerir, a engolir, a respirar e o faz insistindo, sentindo, “fazendo”. Assim, o ser se desenvolve. Assim, o corpo abre espaço para o desenvolver da mente (sempre em conjunto e ao mesmo tempo), e esse contato narcísico ganha força e diferenciação com o surgimento do oposto, do não-eu em relação ao eu. Pelo que não sou, posso descobrir quem eu sou. Pelo que eu sinto a partir de mim e de quem me cuida, começo a minha peça, construo o meu cenário, escolho os papéis e encontro o equilíbrio (homeostase) para a vida. Talvez seja o caminho que todos nós estamos trilhando. Um caminho sem secções. Um caminho onde o todo é o ser em essência, mesmo que em falta. Um ser único, mas componente de uma comunidade, de um grupo, de uma espécie que se desenvolve vinculadamente. E que traz a beleza da vida. A beleza de se viver num mundo de relação em movimentos contínuos de expansão e retração de todas as formas, de todos os jeitos, andando sempre na corda bamba que é a vida.
Somos nós que fazemos a vida
Como der, ou puder, ou quiser...
Sempre desejada
Por mais que esteja errada
Ninguém quer a morte
Só saúde e sorte...
Eu fico com a pureza
Da resposta das crianças
É a vida, é bonita
E é bonita...
Referências
Darwin, Charles (2003). A Origem das Espécies, no meio da seleção natural ou a luta pela existência na natureza, vol. 1. E-book baseado na tradução de Joaquim da Mesquita Paul. Lello& Irmão – Editores.
Esperidiao-Antônio, Vandersonet al. (2008) Neurobiologia das emoções. Rev. psiquiatr. clín.,São Paulo, v. 35, n. 2, 2008. Disponível em: . Acesso em: 17 set. 2013.
Ferrari, Armando (2000). A aurora do pensamento: do teatro edipiano aos registros de linguagem. São Paulo: Ed. 34, 2000.
Ferrari, Armando (1995). O eclipse do corpo: uma hipótese psicanalítica. Rio de Janeiro: Imago, 1995.
Freud. Sigmund. (1996). Projeto para uma psicologia científica. In: ________. Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud, vol.1. Rio de Janeiro: Imago, 1996. (Trabalho original escrito em 1895 e publicado em 1950.)
Freud. Sigmund. (1996). O Instinto e suas vicissitudes. In: ________. Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud, vol. XIV. Rio de Janeiro, Imago. (Trabalho original publicado em 1915.)
Klein, Melanie (1996). Uma contribuição à psicogênese dos estados maníaco-depressivos. In: ________. Amor, culpa e reparação e outros trabalhos (1921-1945). Rio de Janeiro: Imago, p. 301-329. (Trabalho original publicado em 1935.)
Klein, Melanie (1996). O luto e suas relações com os estados maníaco-depressivos. In: ________. Amor, culpa e reparação e outros trabalhos (1921-1945). Rio de Janeiro: Imago, p. 385-412. (Trabalho original publicado em 1940.)
Lent, Roberto (2011). Neurônios e Materialismo Dialético. In: ________. Sobre neurônios, cérebros e pessoas. São Paulo: Atheneu, p.16-20.
Mente e cérebro especial: Animais. n. 39, set/out 2013 (ISSN 1807943-1).
Moreira, Jacqueline de Oliveira. Édipo em Freud: o movimento de uma teoria. Psicol. estud., Maringá, v. 9, n. 2, Aug. 2004. Disponível em: . Acesso em: 17 set. 2013.
Ramos, Maria Beatriz Breves (1998). Macromicro: a ciência do sentir: uma visão revolucionária do ser humano, a partir da física quântica, da teoria da relatividade, da psicanálise, da biologia e das artes. Rio de Janeiro: Mauad.
Segal, Hanna (1975). Introdução à obra de Melanie Klein. Rio de Janeiro: Imago (capítulo III).
Resumo
Este trabalho retoma o debate em torno da busca por um ser integral, que funciona biopsicossocialmente buscando seu equilíbrio ou homeostase. Esse equilíbrio ocorre entre o indivíduo consigo – seu corpo/mente – e nas relações iniciadas com seus pais ou representantes na construção da identidade do Eu. A discussão que aqui se apresenta agrega a teoria evolucionista de Darwin, a possibilidade de mudança de papéis no complexo edípico freudiano, a hipótese de constelação edípica de Ferrari.
Palavras-chave: constelação edípica, homeostase, equilíbrio, teoria evolucionista.
Abstract
This paper takes up the search for a being who works full bio-psycho-socially seeking equilibrium or homeostasis. This balance occurs between the individual himself, his body / mind and relationships initiated with their parents or important in the construction of the Ego’s identity. This vision is expanded when Darwin’s evolutionary theory is aggregated. The possibility of changing roles is also mentioned in the Oedipus and Freudian’s complex and in Ferrari’s hypothesis about Freudian Oedipal constellation.
Keywords: oedipal constellation, homeostasis, balance, evolutionary theory.
Petruska Passos Menezes
Psicóloga CRP19/636,
Psicanalista em Formação pelo NPA/SPRPE
data de publicação: 06/06/2014
[1] O comportamento humano é comandado, dirigido e orientado pela personalidade. Para o canino, em lugar de personalidade, que vem de persona, vamos adotar cinolidade, que vem de cino (do grego kyon, kynós, do latim cyno = cão). Disponível em: .
[2] A dimensão temporal é interessante se a pensarmos também no âmbito da física quântica como uma variável, e não algo somente estático e linear (Ramos, 1998).
[3]Fogle, Bruce. Entenda o seu cão. São Paulo: Globo, 2001.
Szpigel, Tomás. Adestramento natural. Rio de Janeiro: BestSeller, 2010.