Formas patológicas de amar

21/02/2014

Ana Claudia Zuanella - Psicanalista - Membro Titular e Didata da Sociedade Psicanalítica do Recife - Mestranda em Psicanálise pela Universidade Católica de Pernambuco - E-mail: [email protected]

Formas patológicas de amar[1]

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“Só se pode viver perto de outro, e conhecer outra

pessoa, sem perigo de ódio, se a gente tem amor.

Qualquer amor já é um pouquinho de saúde,

um descanso na loucura.”

(Guimarães Rosa, Grande Sertão: Veredas, 1956)

Não se escreve muito sobre o amor em Psicanálise, como nos fazem ver diversos autores (Green, 1988a; Paz, 2001; Person, 2007; Escribens, 2007; Kernberg, 1995). À parte o amor de transferência, que toca muito mais na questão técnica da transferência do que no amor em si, esse é um assunto que pouco se produz teoricamente. Muito se diz sobre Eros, sexualidade, narcisismo, pulsão, mas raro é o trabalho dirigido especificamente ao amor.

Podemos pensar em algumas questões para isso, no entanto nenhuma que chegue a uma resposta definitiva. Talvez o amor tenha ficado mais restrito aos filósofos e poetas, por isso Freud não quis entrar nesta seara para não se distanciar do seu objetivo de tornar a Psicanálise uma ciência. É possível também que o amor seja algo demasiadamente etéreo e os autores preferiram se deter na parte um pouco mais objetiva da questão tal como o objeto da escolha amorosa, a dinâmica dos vínculos, o erotismo enquanto concretização desse sentimento. Talvez o amor por estar entrelaçado a vários afetos assuma caminhos muito distintos e amplos que dificultem uma discussão. Ou será que o amor não é inexplicável mesmo e seja impossível caber dentro de uma teorização?

No entanto isso não nos impede de abordar o tema, ao contrário, o torna ainda mais instigante, especialmente quando, além de falar sobre o amor, o viés para isso são justamente suas formas patológicas.

A princípio podemos até considerar que, paradoxalmente, o amor por si só já é um estado patológico, em especial seu parente mais próximo, a paixão. É um estado de loucura temporária, em que o juízo crítico da realidade fica suspenso, o objeto escolhido adquire uma aura de idealização e tudo a sua volta que não lhe tenha relação direta torna-se desinteressante. Uma psicose branda, poderíamos diagnosticar poeticamente e citar os versos de Camões para ilustrar esse ponto de vista[2].

Apesar de ser tentador seguir esse caminho, que seria até muito pertinente, penso que o tema dessa mesa nos convida a olhá-lo sob uma perspectiva menos romântica, digamos assim, e nos leva a debruçar-nos sobre o assunto naquilo que ele tem de genuinamente patológico e indesejável.

Comecei esse texto com um trecho do Grande Sertão: Veredas onde Guimarães Rosa (1956) escreve que

Qualquer amor já é um pouquinho de saúde, um descanso na loucura.

Ao escrever sobre o narcisismo, Freud (1914) afirma que

devemos começar a amar a fim de não adoecermos, e estamos destinados a cair doentes se, em conseqüência de frustrações, formos incapazes de amar (pág. 101).

Afinal, se o amor é um reasseguramento da saúde, como pode tornar-se patológico? Em que circunstâncias isso ocorre? Que tipos de patologias ele pode encobrir, ou melhor, desvendar?

Antes de entrar no cerne da questão, gostaria de delimitar que tipo de amor vamos tratar. Penso que ao se atribuir o sentido psicanalítico à sexualidade, o do investimento pulsional, qualquer idéia, abstração ou objeto que for libidinalmente investido pode ser entendido como objeto de amor.

No entanto, me referirei a um tipo específico de amor, aquele entre duas pessoas que estejam numa relação (real ou imaginária). Abordarei o amor que se expressa pela escolha de uma única pessoa dentre tantas, movida pelas mais diversas razões, mas na base delas, o desejo de completude, a ilusão que o outro tem aquilo que falta em si próprio, fazendo do ser amado um objeto idealizado.

Apesar do sentimento amoroso existir desde sempre, nós apenas tivemos conhecimento da idéia a respeito do amor romântico a partir do fim do século XI com o surgimento do amor cortês[3]. O que caracterizava o amor cortês dos poetas e trovadores era um amor impossível de um vassalo por uma dama comprometida fadado a não concretização. Era um amor restrito às cortes senhoriais, em oposição ao amor praticado nas vilas, o amor cortês não tinha por fim o prazer carnal nem a reprodução, mas o sentimento elevado exaltado em versos e prosa (Paz, 2001).

É possível verificar uma semelhança entre o amor cortês, com seu objeto inatingível, e o amor vivido na história infantil do homem[4]. Assim como no amor dos trovadores, o primeiro objeto de investimento da criança é igualmente proibido e inalcançável. Esta situação faz parte da configuração edípica, quando há a descoberta do objeto de amor em um dos pais e os impulsos sexuais se unificam nele. Neste período da infância se dá a separação das duas correntes que compõem o investimento libidinal, a corrente afetiva e a corrente sensual. Cada uma delas caracteriza uma maneira de se relacionar com o objeto: na corrente afetiva, a libido é inibida no seu objetivo sexual e se expressa pela ternura e afeição, responsabilizando-se pelos laços duradouros com os outros, ela conserva uma forma de vínculo que fixa o investimento no objeto (Green, 1988b). No segundo caso, da corrente sensual, há a descarga da pulsão sexual por meio de sua satisfação direta, acarretando numa diminuição do interesse pelo outro.

Com a culminação do Complexo de Édipo, o recalque compele a criança a renunciar à maior parte dos objetivos sexuais e a manter a ligação com os pais através de pulsões ‘inibidas em seu objetivo’. São sentimentos caracterizados pela afetuosidade e ternura em contraste com aqueles sensuais que foram recalcados (Freud, 1921). A manutenção exclusiva deste investimento terno se apresenta como a melhor maneira de desviar o temor da castração.

No entanto, da mesma forma que a não concretização do amor cortês não se manteve ao longo dos séculos, o mesmo também não deve acontecer na história particular do homem. O esperado é que ambas as correntes, sensual e afetiva, se juntem em direção ao mesmo objeto e haja a concretização do amor sexual, quando, a partir da adolescência, o mundo libidinal se estender para além dos próprios pais. Contudo, mesmo que superada, essa primeira experiência de amor edípico marcará para sempre a vida do sujeito e estará presente ao longo de toda sua história. Baseado nessa perspectiva é dito que o encontro com o objeto, na realidade é sempre um reencontro com o mesmo, já que ele é uma reedição desse modelo inicial (Freud, 1905). Todos os encontros e escolhas futuras trarão consigo o selo dessa primeira descoberta amorosa.

Para Escribens (2007), a maior contribuição de Freud à teoria do amor é o reconhecimento que o ser amado é um vulto do passado, que o amor é um artifício da fascinação que remete a uma sombra projetada de um tempo distante, do qual sequer temos recordações mais que fragmentárias.

Apesar de não termos lembrança dessa época, haverá sempre a presença do desejo, da pulsão e sua procura pela realização. A partir do momento que não temos um objeto definido para nossa satisfação, isto inaugura uma questão pessoal que nos leva a criar e buscar constantemente esse objeto numa dinâmica que traz em si o reflexo da estruturação interna e particular de cada um. A variedade da vida erótica e amorosa do homem é vastíssima, indo das modalidades mais comuns até aquelas mais patológicas que são resultado da maneira possível que cada um encontrou para lidar com seu desejo.

Amor e erotismo podem não estar separados em muitos casos, mas são distintos. A vida erótica diz respeito à dimensão humana do sexo, aquilo que a imaginação acrescenta à natureza. O amor é desejo de completude e assim responde por uma necessidade profunda nos homens[5]. Amar coloca em cena o desejo relacionado à falta e não ao sexo. Nesse sentido amor e desejo sexual são diferentes, mas não excludentes (Ferreira, 2004), como ilustra Octavio Paz (2001) ao falar sobre a dupla chama da vida: o fogo da sexualidade levanta a chama vermelha do erotismo e esta, ao seu turno, sustenta a azul e trêmula do amor. Para ele

O amor é atração por uma única pessoa: por um corpo e uma alma. O amor é escolha; o erotismo aceitação. Sem erotismo – sem a forma visível que entra pelos sentidos – não há amor, mas este atravessa o corpo desejado e procura a alma no corpo e, na alma, o corpo. A pessoa inteira. (pág. 34)

Uma condição básica para o sentimento de amor forte e verdadeiro é a capacidade de se colocar no lugar do outro e “identificar-se” com ele, como nos diz Melanie Klein (1937). Ao nos identificarmos com outras pessoas compartilhamos da satisfação que nós mesmos lhes oferecemos e retomamos de um lado o que perdemos do outro. A percepção verdadeira do outro e a possibilidade de se colocar no seu lugar favorece o desenvolvimento da capacidade de reparação, uma condição fundamental para o estabelecimento de vínculos maduros e construtivos, não apenas no amor romântico, mas em todas as formas de relacionamentos pessoais.

Porém algumas dificuldades podem atrapalhar a criação ou manutenção do vínculo amoroso. Por exemplo, em certos casos não há o reconhecimento do outro. Ou então, pode ocorrer o oposto, uma identificação maciça que prejudique ou mesmo impeça o desenvolvimento de uma relação saudável. Nas duas situações o que está em jogo é a percepção do outro enquanto objeto inteiro e separado de si. Para que isso aconteça é preciso sair do narcisismo, nesse caso, patológico, para efetuar uma escolha de objeto. É também necessário manter a própria integridade, não permitindo a anulação de si mesmo frente o outro que, conseqüentemente, se torna imprescindível. A capacidade de intercambiar as próprias vivências conservando, entretanto, as respectivas autonomias são requisitos básicos para o envolvimento amoroso sadio. Vejamos as duas situações.

O narcisismo permite ao sujeito sedimentar seu ego numa unidade e organizar os investimentos pulsionais em torno desta nova unidade formada. No entanto, caso a pessoa tenha tido sérias dificuldades no estágio narcísico, caso ela não tenha conseguido realizar de uma forma bem-sucedida o investimento no próprio eu, a presença do objeto mais do que meio de descarga, passa a ser fonte de angústia. Ou seja, a presença do outro, e das trocas com ele, são sentidas como constantemente ameaçadoras para o ego que teme se esvair por completo ao dirigir seu investimento para o mundo externo.

No que se refere à economia narcísica, o objeto entra em conflito com o ego, pois o desejo pelo outro descentra o sujeito; a busca da satisfação por meio do objeto, do objeto que falta, desperta no sujeito a sensação de que seu centro não está em si, mas num outro do qual ele está separado e ao qual tenta se juntar para reconstruir sua identidade. Segundo André Green (1988b) o objeto nunca é tão presente quanto na ausência onde vem nos faltar. Ele é a procura dos desejos do id na falta de algo para satisfazê-los, portanto é gerador de tensões libidinais, contraditórias, de amor e ódio.

Por meio do direcionamento da libido para o ego é possível transformar o desejo pelo objeto em desejo pelo ego. Desta forma espera-se contornar o mal-estar despertado pelo desejo e pela falta do objeto. Tenta-se prescindir dele através do investimento libidinal no próprio ego, tomando-o como objeto de amor. “O narcisismo furta do objeto seus investimentos” (Green, 1988b). À medida que se deseja o próprio ego, a separação entre pulsão e objeto está anulada. Porém, cria-se uma situação de isolamento em si mesmo num sistema onde não há trocas. Pela impossibilidade de suportar perdas e separações o indivíduo vive num processo ilusório (mais, ou menos grave de acordo com a extensão de sua patologia narcísica) onde a presença do outro e das trocas afetivas tendem a parecer prescindíveis (Zuanella, 2006).

“O narcisismo é o apagamento da marca do Outro no desejo do Um”, escreve Green (1988b). Os narcisistas não têm outro objeto de amor além deles mesmos, são pessoas feridas, de fato carentes do ponto de vista do narcisismo. Quanto à questão se eles amam apenas a si mesmos, pode-se pensar que, na realidade, eles amam a si mesmos tão pouco quanto eles amam os outros (van der Waals, 1965). As pessoas com patologia narcísica não podem correr o risco de empobrecer ainda mais seu ego já tão frágil e ferido direcionando o investimento do ego para o objeto, ou dito de outra maneira, elas não podem transformar a libido do ego em libido de objeto.

De acordo com Kernberg (1995) a situação edípica deixou uma profunda frustração e ressentimento nessas pessoas, cuja ressonância é sentida na agressão que domina e dificulta suas relações amorosas na vida adulta. Nestas relações há o predomínio do ódio ao invés do amor. Este ódio experimentado em relação aos primeiros objetos devido às intensas frustrações pode ter feito com que o outro fosse vivido como alguém que excita, mas nega o prazer. Na vida adulta do homem, estes conflitos serão dirigidos às escolhas amorosas e irão favorecer a dissociação entre as duas correntes da pulsão sexual. Sem a junção da corrente afetiva à sensual, não se criam laços duradouros com os outros e o interesse se acaba após a satisfação libidinal. Os objetos desejados serão também odiados e desprezados. Em casos menos severos ocorrerá uma constante idealização e uma rápida desvalorização, resultando numa intensa troca de pares. O dom-juanismo é um exemplo clássico disto, o Don Juan é um eterno desejoso de conquistar porque é incapaz de reter (Kristeva, 1988).

Esse afastamento ou não vinculação ao objeto sexual pode ser também resultado do esforço para protegê-lo da destrutividade. Para os teóricos das relações objetais como Melanie Klein (1937) a dependência em relação à pessoa amada é intolerável, pois subjaz o medo que tal pessoa – de início, a mãe – possa morrer por causa dos danos que lhe são impingidos em fantasia. Esses danos imaginários fazem parte da ambivalência amor/ódio em relação ao objeto. Tanto pela intensidade do ódio quanto pela voracidade do amor, o objeto pode ser destruído e vir a abandonar o sujeito, portanto, para preservá-lo e preservar-se da dor, é melhor que não haja um envolvimento.

Nessa perspectiva, outra maneira de se entender o Don Juan é enxergá-lo como aquele que usa sua infidelidade para se defender da perda objetal, com esse recurso, ele prova a si mesmo que seu grande objeto de amor (originalmente a mãe, cuja morte era temida devido à voracidade e destrutividade do seu amor) não é indispensável, pois sempre é possível encontrar outra mulher. Nesse caso ele não se afasta simplesmente das mulheres, ele faz um duplo movimento com dois objetivos: ao abandonar e rejeitar reiteradamente as mulheres, ele se afasta inconscientemente da mãe, salvando-a dos seus desejos ameaçadores e se libertando de uma dependência insuportável; por outro lado, ao procurar outras mulheres, dando-lhes atenção e prazer, ele mantém ou recria, no seu inconsciente, a mãe amada (Klein, 1937).

Segundo os teóricos da Escola Inglesa é no momento em que se integram as relações de objeto parciais dando lugar às relações objetais totais que se desenvolvem os vínculos edípicos triangulares e tornam-se preeminentes as proibições infantis contra a sexualidade. É importante a superação das inibições sexuais no contexto da resolução edípica para possibilitar o aprofundamento e o pleno desenvolvimento de uma relação amorosa. A fusão dos desejos ternos e eróticos com a aceitação cada vez maior da realidade da outra pessoa se produz simultaneamente com o aparecimento do sentido de individualidade e do reconhecimento da natureza limitada de todo vínculo humano (Kernberg, 1979).

Algumas pessoas não conseguem ver as limitações das relações, pois tampouco foram capazes de solidificar sua individualidade e conviver com suas próprias limitações. Isto dá margem a uma outra forma patológica de amar. É uma falha na constituição narcísica primária que ao contrário de acarretar o afastamento do objeto, acaba por intensificar o laço com o mesmo de uma maneira doentia.

Em casos desse tipo há uma “‘devoção’ do ego ao objeto”, onde este, o objeto, “foi colocado no lugar do Ideal do Ego” (Freud, 1921). Quando estamos amando, uma quantidade considerável de libido narcísica transborda do ego para o objeto. Em algumas formas de amor, esse transbordamento ocorre quase por inteiro e o objeto acaba servindo de substituto para um ideal inatingível de si mesmo. O amor sentido pelo outro ocorre em virtude das perfeições que o sujeito queria para si, como uma forma de satisfazer o seu narcisismo. (Freud, 1921)

Dentre as funções do Ideal do Ego está a de agir como uma instância crítica. Quando o objeto é alçado completamente ao lugar de ideal esta atribuição fica comprometida. Portanto, em casos extremos de idealização, a natural supervalorização do outro assume graus exagerados e o objeto se torna cada vez mais precioso e sublime à custa da transformação do ego do sujeito em mais modesto e humilde. O objeto se alimenta do amor-próprio que deveria sustentar o ego. Freud (1921) escreve que “o objeto, por assim dizer, consumiu o ego”. Com a capacidade crítica anulada, o sujeito passa a achar tudo no objeto maravilhoso, correto e perfeito. É a cegueira da paixão inicial que se perpetua sem levar em conta os indícios corriqueiros da realidade.

O objeto adquire um status essencial para a sobrevivência do ego e qualquer ameaça de perdê-lo se torna insuportável, pois, com o ideal instalado no outro, a ausência deste significa o abandono pelo próprio ego, significa a perda de uma grande parte de si. O objeto se torna imprescindível. O medo da perda do amado remete, nesse tipo de vínculo, à angústia de castração. Desse temor exagerado, surge, por exemplo, o ciúme patológico, onde qualquer fato da realidade é reinterpretado com ausência do juízo crítico, assim tudo e todos se transformam em ameaças concretas à perda do objeto, o qual, aos olhos do indivíduo, é tão especial, que só pode atrair o desejo de todos.

Esse tipo de amor patológico pode ser atribuído a personalidades infantis com organização fronteiriça, como propõe Kernberg (1979). São pessoas que se aferram a amores idealizados de uma maneira tão primitiva e irreal que chega a ser difícil obter uma imagem fidedigna da pessoa amada com base na descrição feita por elas. Supõe-se que nesses casos há o predomínio de mecanismos dissociativos e também da idealização primitiva de objetos totalmente bons como defesa contra a projeção generalizada da agressão em múltiplos objetos totalmente maus.

Tanto na atitude de indiferença em relação ao objeto sexual quanto na idealização exagerada deste, podemos inferir uma raiz em comum em ambas as patologias, que diz respeito à dificuldade na estruturação do sujeito, na solidificação do narcisismo primário, mesmo que mais tarde o percurso libidinal seja distinto para os dois casos.

Podemos pensar se no primeiro caso, da impossibilidade de amar, o que está em jogo não é uma dificuldade onde prevalecem escolhas do tipo narcísicas, que numa evolução patológica, levam o sujeito a apenas enxergar nos objetos espelhos de si mesmo e nada mais. Onde se vê somente um auto-reflexo, é impossível reconhecer o outro e o sujeito encerra-se em si próprio. No segundo caso, da exacerbação da idealização a um nível doentio, a patologia desencadeada nessa direção acontece, a meu ver, quando há uma escolha de objeto do tipo anaclítico e o outro passa a ser responsável pela sobrevivência física e mental do sujeito, assim como o foram no início do desenvolvimento libidinal, as figuras parentais, protótipos de cuidado e proteção.

Enfim, muitas questões podem ser levantadas, algumas respondidas, outras tantas gradativamente elaboradas. Isto faz parte da nossa condição humana, seres que têm que lidar eternamente com seus próprios questionamentos. Amar é uma dessas respostas, um desses caminhos. É sempre uma aposta na saúde. Mesmo que esta não seja plenamente atingida, é ao menos, uma tentativa de descanso na loucura.

E o amor permanece com várias questões em aberto, é provável que seja realmente inexplicável, impossível de ser delimitado. Quem sabe, ele não deva mesmo ser compreendido, mas apenas buscado e vivido?.

Bibliografia

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ZUANELLA, A.C. (2006). A fugacidade das relações e a dificuldade de criar vínculos. Trabalho apresentado na XI Jornada da SPR.

Ana Claudia Zuanella

Psicanalista

Membro Titular e Didata da Sociedade Psicanalítica do Recife

Mestranda em Psicanálise pela Universidade Católica de Pernambuco

[email protected]

data de publicação: 21/02/2014

[1]Trabalho apresentado na mesa-redonda da XIII Jornada da Sociedade Psicanalítica do Recife, ocorrida no período de 18 a 20 de setembro de 2008.

[2] Amor é fogo que arde sem se ver;/ É ferida que dói e não se sente;/ É um contentamento descontente;/ É dor que desatina sem doer.

[3]Apesar de Platão, muito antes, ter escrito sobre o amor, sua abordagem era do amor ideal, fundamentado mais na virtude do que no interesse, mesmo que sexual.

[4]Isso nos faz pensar como tendemos a observar uma repetição, na cultura, daquelas situações que constituem a história pessoal de todo ser humano e que são de tal importância que terminam por se expressar em distintas oportunidades. É interessante notar que tal qual o complexo de Édipo, a amor cortês também era fruto de uma situação triangular.

[5]Basta lembrar o mito do andrógino relatado em O Banquete de Platão pela voz de Aristófanes, para se ter uma idéia dessa eterna busca pela outra metade que nos complete. Nas palavras de Octavio Paz (2001): somos seres incompletos e o desejo amoroso é perpétua sede de completude. (pág.41)