O Lobo e o Inconsciente

29/08/2018

 

 

 

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O Lobo e o Inconsciente

Confesso que estive ansioso para escrever. Passei dias planejando sobre o que e como, fantasiando sobre os temas, até cair na real e perceber que eu não precisava buscar, pois a psicanálise estava justamente ali, em mim e no meu quotidiano. Espero que possamos nos ver novamente em breve.

"O sinistro, meu querido, o sinistro! É um mau agouro, o pior de todos... é agouro de morte" (Sibila Trelawney).

O primeiro contato que tive com a palavra sinistro, talvez de forma mais profunda do que uma simples gíria ou adjetivo, foi no filme Harry Potter e o prisioneiro de Azkaban. A passagem acima retrata esse fragmento do filme. O sinistro é mau presságio, está diretamente associado à ideia de morte e escuridão e à imagem de um lobo de pelugem negra.

Harry, por sua vez, teve a infelicidade (talvez a mais feliz delas) de ser o escolhido. O sinistro se apresentou a ele durante a aula de adivinhação da professora Trelawney, conhecida como “teimancia”: a arte de ler o futuro nas folhas de chá. Ao observar a xícara, surge um espectro que lhe causou espanto, pois logo fora reconhecido por ela. O murmurinho tomou conta da sala. "O sinistro, meu querido, o sinistro! É um mau agouro, o pior de todos... é agouro de morte", explicou. Apesar de assustado, Harry parece não temer a profecia, a contar também de certa dúvida nas habilidades de sua docente.

Folheando meu caderno encontro anotada a frase que me remeteu a cena do filme e a presente reflexão: "O sinistro, ou estranho, é quando o inconsciente se apresenta." Diante desta frase, a passagem do filme me surgiu de imediato. Admito que não li o texto de Freud e que tive conhecimento de sua existência pela primeira vez neste mesmo dia. De sorte, tive o impulso de associar uma coisa à outra, ainda que com certa dificuldade.

Um lobo que uiva noite e dia sem parar, que apavora a quem o vê e amedronta os desavisados. Em termos de natureza, é o representante selvagem de sua família e talvez sua primitividade combine e se misture com a nossa. Ainda que sua existência date de milhares de anos atrás, estão presentes em nossa ancestralidade, em nosso dia a dia e, dessa forma, por que não assumir que em cada palavra por nós pronunciada um pouco de uivo, ou de inconsciente, se faz presente?

Lembro-me que sinistro também diz respeito à incidência de algum prejuízo, ou dano, a algo que se fez seguro. Ora, tanto os desejos inconscientes como os sintomas se dão a partir da formação de compromisso. É necessária uma proteção ao ego contra as ameaças do retorno do material recalcado. Para mais, o sinistro também diz sobre o desconhecido. A pelugem negra, sem luz, remete à ausência. Ausência do que ainda está por vir, que não aconteceu e que, assim, ainda não é. Fazer um seguro também nos serve, então, de proteção contra o que está por vir e contra a exploração de novas terras ainda desabitadas.

É agouro! Mau presságio! Morte! Pergunto-me se a professora não deveria, desta forma, visualizar o presságio para todos os presentes. Com fins meramente fictícios justifica-se a sua escolha pelo protagonista do filme. Porém, como pode a morte ser tratada como mau presságio se é precisamente a única certeza que temos? Julgo mau presságio, então, não se perceber lobo e ensurdecer aos seus uivos diários. Por fim, o caráter selvagem do sinistro merece um breve esclarecimento. Na sua definição, diz-se daquele criado na selva, de características rudes, grotescas e que vivem baseados nos instintos. Não vejo como isso poderia estar dissociado de nossa própria natureza humana; apenas fomos capazes de construir outras formas mais adaptadas de ordenação da vida. Portanto, selvagem não se trata de menos evoluído, tampouco de primitividade em termos de atraso, mas sim de uma de nossas formas de organização do mundo.

Sinistro!

Rodrigo Dillan José Santos Lima

Graduando em Psicologia (UNIT)

Aluno do Curso de Psicoterapia Psicanalítica (NPA)

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Coordenação: Danilo Gama Goulart