Akira Kurosawa, uma personalidade complexa e nem sempre compreendida

22/02/2017

 

 

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Akira Kurosawa, uma personalidade complexa e nem sempre compreendida

Akira Kurosawa foi um dos cineastas mais importante do Japão, e do mundo. Tendo nascido em 23-03-1910, morreu em 1998 com 88 anos, dos quais 50 anos dedicados ao cinema, tendo dirigido 32 filmes durante sua carreira. Kurosawa ganhou a Palma de Ouro, em Cannes, O Leão de Ouro em Veneza, além de ter ganho um Oscar pelo conjunto de sua obra. Seu trabalho se caracterizou por abordar o sentimento humano em suas multiplicidades de facetas. Talvez seja o maior ou pelo menos um dos grandes cineastas que se preocuparam profundamente com a natureza humana nas suas manifestações ambíguas, nos mais diferentes contextos trazidos nas suas criações cinematográficas.

Após uma rica carreira de filmes dentro de diversos gêneros, e de ter se tornado um ícone do cenário mundial, é importante lembrar que em 1972, o Kurosawa tentou suicídio. Para aqueles que os acompanhavam, em suas criações apreciando suas mensagens sobre o humano, foi difícil compreender seu gesto.

Demorou um tempo para compreendermos, que tínhamos retirado de Kurosawa, em função do que trazia nas suas criações, que ele próprio era um ser humano profundamente humano, e que toda sua arte na verdade, era uma busca pessoal para compreender e lidar com o humano, em seus aspectos inacreditavelmente cruéis. Devolver ao Kurosawa seus status de mortal, possibilitou compreender muitos de seus aspectos incompreensíveis até então. Diziam de sua profunda decepção pelo fato de em sendo um diretor consagrado, estivesse em 1972 com dificuldade de obter financiamento para novos projetos, quando outros cineastas de menor projeção, autores de produções tão menos cuidadas, e que ele ajudara a projetar, tivessem verbas à seus dispor. Por outro lado, seus companheiros contemporâneos, que ele muito admirava como Yamamoto, se encontravam em fim de carreira, esquecidos, sem qualquer oportunidade, apesar do brilhantismo de suas obras. Foram cineastas pioneiros que não só utilizaram do cinema para trazer o que de mais precioso e peculiar existia na cultura japonesa, como levar para o cenário internacional, ajudando aos estrangeiros compreender as nuances da cultura intimista japonesa, tendo sido ele o grande introdutor do cinema japonês neste cenário, com o filme, ontológico, RASHOMON, com o qual recebeu a Palma de Ouro do Festival de Cannes.

Kurosawa viveu no Japão em plena guerra, e no pós-guerra, onde em função da ocupação japonesa, os americanos, passam a tutelar a reconstrução do país, e construção de uma sociedade democrática, que se afastasse das bases que levaram à aventura expansionista, de conquistas pela guerra. Ele via desmoronar aos poucos aspectos dos valores, dos costumes, da ética, que constituíram os alicerces do povo que tinha sua peculiaridade que caracteriza pela honradez, dignidade, honestidade e respeito. Tanto é que ele trouxe em todos os filmes de vários gêneros, mesmo aos filmes de samurais, aparentemente semelhantes aos filmes de cowboys americanos, gênero que ele criou, aspectos peculiares desta forma de ser do povo japonês, muitas vezes estranhos aos olhos ocidentais. Ao se dar conta de que seus filmes não conseguiam ter a aceitação dentro do Japão, ignorados pelo próprio povo cujos valores busca defender, que lhe sugerem dolorosamente que não mais compartilham com ele, Kurosawa começa a expressar seu desencanto.

No ressurgimento de Akira Kurosawa, emerge um diretor de um filme diferente em todos os aspectos com o que trouxe para o cinema, longe de uma abordagem racionalizada dos aspectos humanos, representados plasticamente através das imagens cinematograficamente bem cuidadas, ele traz através de DERSU UZALA, a história conta a história de um velho caçador que é guia de um explorador burocrata em uma floresta nos estepes russos, trazendo em primeiro lugar a força da natureza, em sua sabedoria, selvagem, que se vê ameaçado de ser domada e destruída pelo homem moderno. Em segundo lugar, Kurosawa mostra a integração do homem primitivo, considerado assim pela nossa cultura da modernidade, com a natureza, extraindo da própria natureza, de sua sabedoria, a sua razão e alegria de viver. Um verdadeiro hino à natureza e ao homem nela inserido, que o desenvolvimento humano descaracterizou. O momento em que o caçador, recolhido pelo explorador para terminar seus dias em sua residência e conforto, uma vez que pelo envelhecimento ele se tornara inútil para ser caçador, e passa a sentir o desconforto, e profunda tristeza, incompreensível ao explorador e familiares que apegaras ao caçador, revela os sentimentos de Kurosawa que o levaram à tentativa de suicídio. O momento da partida do caçador, carregando seu embornal com o necessário para viver na floresta, mais o seu fuzil, que já lhe não será útil, pois seus olhos não lhe permitam a caça, é um momento tocante no filme. O homem, caçador, voltando para o lugar que lhe é natural para terminar sua jornada, e não morrer, no sentido comum da morte no Ocidente.

A partir deste momento, os filmes de Kurosawa, mostram uma mudança. Como ele tivesse descoberto, do simples e natural, que a racionalização falseia e faz afastar, coloca dentro de seus filmes o componente, sutil que se fazem visíveis nas ações que compõem as narrativas.

Momento difícil para alcançar os significados expressos, aqueles que buscam a interpretação racional e sofisticada, dos apreciadores da bela arte, tão familiarizados com as grandes produções que fizeram alegria dos cultores do “papo cabeça”.

Depois de Dersu Uzala, Kagemusha, A Sombra do Samurai, Ran, Sonhos, Rapsódia de Agosto, até o seu último filme Madadayo, trazem esta compreensão profunda do ser humano que Akira Kurosawa alcançou em sua Iluminação, Satori, que certamente busca desde seus primeiros filmes, até os mais conhecidos como Os Homens que Pisaram na Cauda do Tigre, Duelo Silencioso, O Idiota, Viver, Os Sete Samurais, Homem Mau Dorme Bem, Trono Manchado de Sangue, O Barba Ruiva, Dodeskaden - O Caminho da Vida, Rashomon.

Akira Kurosawa, encerra com Madadayo os filmes que dirigiu. Ele tinha mais dois filmes que estava em preparação quando ele faleceu, e que seus diretores assistentes realizar.

Madadayo, é um filme que foge totalmente ao estilo de Kurosawa, destoante de suas produções como Kagemusha, Ran, Sonhos, extremante bem cuidados, com cenários maravilhosos, e de coloridos deslumbrantes. Sem grandes cenários, com colorido esmaecido, descuidado em detalhes técnicos, segundo os críticos, quase todo numa narrativa comum, para muitos o filme é decepcionante. Certas passagens são criticadas como falha do grande mestre, pelos críticos, que não se dão conta que aquela falha é justamente o que Kurosawa deseja transmitir, criando o clima que considera importante para apreender o que ocorre. Percebe-se que é o filme que pode ser considerado um testamento como testemunho ao mesmo tempo. O testamento como uma mensagem de que o homem alcança sua integração no seu simples e natural, integrado no seu existir no seu meio, transformado na expressão de sua própria natureza. Por outro lado através do Professor cuja vida acompanha desde o momento de sua aposentadoria até o encerramento de seu estado de viver, traz a realidade passada na história japonesa, que se perdeu, onde ao idoso, era permitido viver sua espontaneidade, como decorrência de sua vida produtiva, sem que os mais jovens na fase ativa, tivessem estranheza, rejeição ou recriminação. Ao idoso se permitia o resgate do espírito da criança que sempre permaneceu dentro de si, tanto é que os adultos produtivos podem ter atitudes e ações complementares às solicitações dos idosos, com a mesma naturalidade sem qualquer constrangimento.

Através deste Kurosawa revela, como pode viver em paz, um VELHO MESTRE, amado e venerado pelos seus discípulos , que lhe permitia e o acompanhava na espontaneidade do humano livre de restrição de um idoso, traduzido no seu ímpeto criador.

Yusaku Soussumi

Psicanalista - Membro efetivo da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo (SBPSP)

Membro da Sociedade Psicanalítica do Recife

Diretor científico do Núcleo Psicanalítico de Aracaju

Membro honorário do Instituto Psicanalítico de Formação e Pesquisa A. B. Ferrari no Brasil

Fundador da Sociedade Internacional de Neuropsicanálise