Esboço psicanalítico acerca da relação entre angústia, o desamparo e a sociedade

12/10/2016

 

Esboço psicanalítico acerca da relação entre angústia, o desamparo e a sociedade

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A obra de Freud tem múltiplas facetas, que lógica e inevitavelmente, sua herança intelectual seguiu por linhas diferentes: alguns seguiram uma linha, outros, outra; e alguns esqueceram diferentes aspectos do pensamento freudiano. Encontramos em sua obra conceitos pertencentes ao século XIX, do período em que ele começa a produzir; outros situados no século XX e alguns que estão sendo pensados no século atual. Desde o início do seu pensamento se oferecem duas explicações para a angústia. Em seu Rascunho Aquestiona se a angústia das neuroses de angústia deriva da inibição da função sexual ou da angústia ligada à etiologia dessas neuroses.

Numa série de rascunhos enviados a Fliess, especificamente no Rascunho EFreud indaga a origem da angústia e afirma que tudo o que ele sabe a respeito é que a angústia de seus pacientes neuróticos tinha muito a ver com a sexualidade. É evidente que na angústia há fenômenos de descarga somática: cardíacos, respiratórios e em outras esferas somáticas. Continua indagando porque ocorre essa transformação em angústia quando há uma acumulação; se é por causa da tentativa de suprimi-la [defesa], ou por causa de seu declínio, ou por causa do alheamento habitual entre sexualidade física e psíquica = a tensão psíquica se transforma em angústia.

A relação entre angústia ao nascimento aparece como um protótipo da primeira vivência desse afeto, sendo o “[...] modelo de todas as subsequentes situações de perigo [...]” (FREUD, 1933, p. 111). Otto Rank acreditava que o medo (terror) poderia ter relação com o trauma do nascimento, separação da mãe, atribuindo a esse medo um trauma primordial para o surgimento da angústia. Com essa ruptura que o nascimento simboliza, retorna-se à teoria do trauma, não mais de sedução, mas algo mais primitivo, como o perigo de desamparo psíquico ajusta-se ao estádio da imaturidade inicial do ego; o perigo de perda de um objeto (ou perda de amor) ajusta-se à falta de autossuficiência dos primeiros anos da infância; o perigo de ser castrado ajusta-se à fase fálica; e finalmente o temor ao superego, que assume uma posição especial, ajusta-se ao período de latência.

Em Três Ensaios da Teoria da Sexualidade Freud faz pouca referência acerca da angústia, essa ainda ligada à excitação sexual. Em Atos Obsessivos e Práticas Religiosasfala de algo aparentemente novo em sua obra, o sentimento de culpa e a angústia expectante como componente do ato obsessivo; elemento importante porque reaparecerá na teoria da cultura. Interroga-se, então se isso não dessexualizaria a angústia e criaria uma duplicidade de explicação, confundindo a teoria ou se a angústia moral poderia ser explicada pela libido dessexualizada.Por falar em dessexualidade/assexualidade, esse é um tema que tem sido abordado em estudos científicos na atualidade.

“É um conceito tão estranho para a maioria das pessoas que elas acreditam que deve haver alguma explicação patológica”, diz a psicóloga britânica Lori Brotto após os dados coletados de uma pesquisa realizada em 2004 no Reino Unido, estimando que 1% da população é de alguma forma assexual. Pode-se dizer que esse conceito ainda está em construção e que ainda não há uma delimitação exata para toda a sua abrangência, mas os poucos psicólogos que têm explorado a assexualidade concordam que pessoas que não querem fazer sexo não estão necessariamente sofrendo de algum distúrbio. Hoje existe uma quantidade de pessoas que não fazem sexo. Pode-se pensar que esse fato esteja relacionado ao acentuado diagnóstico de pessoas acometidas pela Síndrome ou Transtorno de Pânico? Tais indivíduos não veem a falta de excitação como um problema que precisa de tratamento, se não causa angústia, não deve ser entendida como um distúrbio.

Em O Futuro de uma Ilusãoa angústia vai adquirir a qualidade do desamparo humano. A civilização impõe certa quantidade de privação e outro tanto de sofrimento. E o homem transforma o que tanto o atemoriza em sua fonte de proteção e cria inúmeras representações. O tema desamparo também é abordado nesse artigo tendo o objetivo de fazê-lo universal. Freud relaciona o desamparo ante a natureza e os prejuízos impostos por ela. A angústia vai adquirir a qualidade de desamparo humano, ou seja, a hostilidade pela renúncia exigida pela civilização.Em Inibições, Sintomas e Angústiaas ideias de perigo e de desamparo infantil juntam-se num mesmo nexo. É nesse texto que se constitui uma grande contribuição, pois permite a integração da teoria da neurose à teoria da cultura, daí a possibilidade de relação entre o desamparo infantil e o desamparo existencial humano. Onde existe vida, consequentemente o conflito; a vida é isto: movimento, persistência e resistência no e diante do desamparo.Possivelmente não há uma nova teoria; o que há é o surgimento, sim, de uma teoria: a nova acepção de angústia, que traz a noção de perigo, unifica em torno de si todas as angústias, a neurótica, a realista, a moral, e permite também unificar as diversas proposições sobre a cultura e as neuroses dispersas ao longo da obra de Freud de tal maneira que o desamparo (hilflosigkeit) torna-se a origem explicativa da cultura e da sua teorização.

O desenvolvimento cultural tem, então, para Freud, o preço de um grande mal-estar na cultura. Esse mal-estar já foi dito: é a própria angústia, que nos dias atuais a psiquiatria denomina Síndrome ou Transtorno de Pânico. Mesclada ao estudo da neurose de angústia estão as fobias, que se instalam com o objetivo de evitar a angústia ao fixá-la em um objeto substitutivo. Agora a angústia é fruto da repressão e definida como reação a um modelo específico de situações de perigo. Nesse sentido, ante qualquer ameaça de uma situação de perigo, o eu pode emitir um sinal de angústia.

A luta contra a pressão desagradável e imperativa da pulsão pode resultar, por força da repressão, na formação do sintoma. Dessa maneira, a concepção de sintoma, por Freud, aponta para a dimensão da subjetividade, na medida em que traz em si uma mensagem do conflito individual e familiar do sujeito humano, assim como social, já que a construção do psiquismo se dá no entrelaçamento da pulsão e da cultura.

Em sua tese, Freud coloca em seus argumentos acerca da constituição psíquica uma perspectiva dinâmica e permite questionar configurações psíquicas e sociais, pois revela relações entre o desenvolvimento da cultura e o da constituição psíquica inovando radicalmente a forma de compreensão da relação entre indivíduo e sociedade. Também questionou certezas explicativas sob as quais a humanidade se amparava, especialmente a sua teoria da repressão, a centralidade dos processos inconscientes na constituição psíquica e a afirmação da sexualidade infantil.

Referências:

EVANS, D. (1997), Diccionario Introductorio de Psicoanálisis Lacaniana. B. A. p. 65.FREUD, S. (1895 [1894]). Sobre os Fundamentos para Destacar da Neurastenia uma Síndrome Específica Denominada “Neurose de Angústia”, v.III, ESB, 1987._____. (1905a). Três Ensaios Sobre a Teoria da Sexualidade, v.VII, ESB, 1987._____. (1907). Atos Obsessivos e Práticas Religiosas, v.IX, ESB, 1987, pp. 121; 127._____. (1927). O Futuro de uma Ilusão, v. XXI, ESB, 1987._____. (1950[1892-1899]a). Extratos dos Documentos Dirigidos a Fliess. Rascunho A. (1892), v. I, ESB, 1987, p. 199._____. (1950 [1892-1899]b). Extratos dos Documentos Dirigidos a Fliess. Rascunho B. A Etiologia das Neuroses [8 de fevereiro de1893], v. I, ESB, 1987, p. 206._____. (1950 [1892-1899]c). Extratos dos Documentos Dirigidos a Fliess. Rascunho E. Como se Origina a Angústia, v. I, ESB, 1987, p. 211; 212; 214._____. (1950 [1892-1899]d). Extratos dos Documentos Dirigidos a Fliess. Rascunho F. Coleção III, 1894, v. I, ESB, 1987, p. 217.KLEIN, M. (1946-1963). Notas sobre alguns mecanismos esquizóides. Inveja e gratidão e outros trabalhos. Obras Completas, v. 3. Rio de Janeiro: Imago Editora, 1991.LACAN, J. (1953-54). O Seminário: livro 1. Os Escritos Técnicos de Freud, 1996. _____. (1958-59). O Seminário: livro 7. A Ética da Psicanálise, 1997, p. 452.

Maria Conceição Aciole Paixão

Psicóloga e Psicanalista – CRP 15/0797

Membro Efetivo e Didata da Sociedade Psicanalítica do Recife – SPR

Filiada à Federação Brasileira de Psicanálise – FEBRAPSI

Componente da International Psychoanalytical Association – IPAMestra em Psicanálise pela Universidad Argentina John F. Kennedy – UKEspecialista em Intervenção Psicossocial Jurídica – FACHO

Email: [email protected]: +55 (82) 99981-0862