Sobre a vida nas palavras

04/08/2015

 

 

Sobre a vida nas palavras

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Uma das passagens do escritor Raduan Nassar dizia que “o tempo é o nosso melhor alimento”. Além disso, o mesmo autor falava das palavras como sementes. De tempo e de palavra, será que estamos privados disso em um cotidiano que incita a velocidade e a superficialidade? A fala aqui é entendida como singularidade, exercício da diferença. A rapidez do mundo contemporâneo e sua exigência constante por desempenho, por outro lado, muitas vezes incita palavras descartáveis e automatizadas.

É preciso apenas alguns minutos na rua para sermos inundados de palavras: dos outdoors que tentam nos convencer, às milhares de notícias e compartilhamentos em profusão apitando no celular, às palavras secas trocadas com comerciantes, bancários, colegas de repartição. O ruído do excesso pode impedir que a gente se escute e escute ao outro. Assim, a palavra morta da fala dessubjetivada e robotizada pode ser tão ou mais nociva quanto o que não é verbalizado. O retorno da vida da palavra, do contrário, nos traz a uma pergunta essencial, como na poesia de Cecília Meireles: “Que é que dentro de ti és tu?”.

Revestir a palavra de afeto – no sentido daquilo que nos toca, de alguma maneira - passa pela esfera da humanização. A linguagem expressa o íntimo ao sujeito em um laço social e coletivo. Também não é de confissão que a fala subjetivada trata, mas sim do exercício constante da criatividade e da singularidade. Poder criar uma fala viva – ou de viver a palavra? - é uma possibilidade de desalienação, de tocar os afetos, sustentar nossos desejos e medos.

A fala contém uma falta: a ferida de não ser a tradução daquilo que sentimos. Por outro lado, aquilo que não se completa nem se fecha traz consigo a possibilidade de criação. Por não corresponder a uma real tradução, ela se potencializa. Assim, falar também é ação, pois algo na dimensão do novo surge. Um grito de dor, por exemplo, é pleno em afeto e catarse, no entanto, falar sobre essa dor pode constituir em novas elaborações para esse sofrimento.

Importante mencionar ainda que o silêncio também diz algo. A clínica psicanalítica traz o silêncio como um personagem importante em cena. Há silêncios que gritam, que calam, que resistem, que apontam, entre outros infinitos silêncios. Falar da vida na palavra não é sobre falar mais nem falar menos, pois os silêncios também pertencem à nossa dimensão subjetiva.

É preciso, portanto, pensar de que maneira a atualidade nega ou reduz a singularidade em um cotidiano marcado pela reprodução, o excesso e a mecanização, o que nos leva a trazer ao palco a importância da fala e da palavra, assim como do silêncio e da escuta, para que possamos criar, recriar, viver e reviver a nós próprios e aos outros.

Rafael Santos Barboza

Estudante de Psicologia /

Aluno do curso de Psicoterapia Psicanalítica do NPA

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data de publicação: 04/08/2015