Quando o termo imigrante é usado como um eufemismo para exilado

11/08/2015

 

Quando o termo imigrante é usado como um eufemismo para exilado

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“Sou de Alagoas, cheguei aqui ainda mocinha, construí família, tenho filhos, netos... mas sinto muita saudade de minha terra, tenho a esperança de um dia poder voltar... Dê lembranças lá para Sergipe, Alagoas. Eu espero em Deus poder voltar,” revelou uma nordestina de meia idade que sobrevive a 30 anos na cidade de São Paulo. Esse encontro foi um dos mais marcantes, talvez porque nessa fala a tristeza predominava e a esperança de voltar para o Nordeste parecia desaparecer.

Esse foi um desabafo, entre tantos que ocorreram na cidade de São Paulo, julho de 2014, em um passeio permeado por encontros vividos aleatoriamente, em locais diversos, como ao tomar um cafezinho na padaria, ao visitar feirinhas de artesanato nas praças, conversas com trabalhadores do hotel... Alguns poucos encontros, mas que se tornaram muitos por apresentarem um sofrer único e comum a cada expressão, a cada fala. Muitos por se mostrarem ali, bem perto, uma realidade doída de tantos e falsamente longínqua. Uma realidade triste, do desencontro do nordeste com os nordestinos. E nesses breves encontros, o pedido de lembrança deles para o nordeste é lembrado sempre.

Sempre e a cada notícia sobre São Paulo. Sempre e a cada notícia sobre os povos africanos, os asiáticos expulsos de suas moradas, sobrevivendo a deriva tentando encontrar um lugar no mundo. Lembrança e associação sempre e a cada informação sobre povos de terra que expulsa gente. Associação que ficou tão presente ao ler o livro, Tortura e Exílio, dos autores psicanalistas Maren e Marcelo Viñar, ao perceber sentimentos semelhantes dos exilados do regime ditatorial com os demonstrados por esses nordestinos.

Os aspectos psíquicos como as fantasias, sentimentos de tristeza, angústia, nostalgia... trazidos nos relatos do livro se mostraram tão presentes nessas conversas. Realidades de épocas distantes, mas se igualam na comum condição de vidas desterradas, vidas com o desejo de retornar sabendo não poder. Estavam ali, nesses encontros, os exilados do regime democrático, onde o exílio e tortura se dão pela situação sócio-econômica desfavorável, causando sofrimento de maneira diferente, mas dolorosa como foi e como é. Nestes exilados de agora, o carrasco é a precariedade da vida na terra de nascimento, gerada na maioria das vezes por fatores que vão da corrupção a passividade, do individualismo a sujeição, tornando o exílio em algo permanente, já que a terra que expulsou não consegue acolher depois de trinta, quarenta anos...

Diante de realidades tão frustrantes, a fantasia psíquica - com suas funções de defesa em situação dolorosa e realização parcial de desejo - se faz tão presente. No fantasiar o que foi deixado/retirado assume uma beleza antes não vista, uma beleza que de tão bela leva a nostalgia. E por meio da fantasia o nordeste vive com o exilado nordestino pelo sotaque, arrasta o nordeste para não se perder. E arrastando o nordeste/sotaque, confessa: “Faço questão de arrastar meu sotaque, isso ninguém tira de mim. Eu arrasto mesmo. Uma coisa é vim para cá por querer e outra vim por necessidade”. E assim, o sotaque permiti o contato com o nordeste mesmo distante e na fantasia o desterro não se completa.

E a partir desses encontros o termo migração, suscitando movimento/escolha, passa ser uma representação muito distante da realidade desses nordestinos, um eufemismo para vidas desterradas.

Ana Joaquina Freire

Psicóloga CRP 19/2763,

Aluna do curso de Psicoterapia Psicanalítica do NPA

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data de publicação: 11/08/2015