“Falsa boda”: a dificuldade de amar e ser amado

08/09/2015

 

“Falsa boda”: a dificuldade de amar e ser amado

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Recentemente vi uma reportagem que me chamou bastante atenção. Minha mente curiosa se envolveu em uma matéria a respeito de um novo evento que acontece nas terras vizinhas, na Argentina. É um evento no qual os jovens argentinos chamam de \"falsa boda\". Essa festa seria uma festa de casamento, só que um casamento falso.

Os jovens de La Plata criaram esse evento, pois desacreditados da possibilidade de um dia participarem do ritual de um casamento, poderiam participar pela fantasia, criando um espaço temático para tanto. O falso casamento se tornou uma VERDADEIRA festa. E, para, além disso, essa festa assume a vantagem de ser mais barata do que as baladas convencionais. É diversão garantida.

Mas diante de toda essa problemática, compro a interpretação de que não é somente a diversão em si que esses jovens buscam. Eles estão buscando um sentido de vida para esse vazio que é tão amedrontador. Frente ao contexto atual temos o tédio, o nada que existe por dentro e no discurso, a fantasia prejudicada, a ameaça de um mundo cada vez mais capitalista e competitivo, a dura realidade de ver brotar no solo da imaginação um impedimento de amar e ser amado por alguma razão contemporânea que se instala estúpida, a ignorância da alma que não reconhece o bom da angústia e da frustração para o crescimento, e diversas outras questões.

O amor se tornou uma ameaça, diz muito mais a respeito de um susto do que propriamente de uma alegria frente às possibilidades de dividir um pouco a dor da vida pelas carícias, ternura e sonhos diversos. As declarações de amor parecem fazer perder "o tesão da festa descompromissada". A dimensão afetiva recusada, a alma com identidade petrificada, não traduzem o desejo das mais profundas construções.

O falso casamento não se trata de um apreço pela lógica concreta do falso em si, mas da fantasia que, de alguma maneira, tenta preencher o buraco que denuncia a dor da ausência do ato de amar e ser amado. Esses jovens lembram e esquecem dessa dor quando promovem esse casamento que já assina o divórcio entre a realidade e fantasia. A realidade retorna com força visceral, e a festa temática de ontem, foi um sonho que falava de uma dor de uma geração. Tamanho sofrimento que era lembrado no início da festa, e esquecido no durante, pois o álcool fez a sua contribuição em abrir sorrisos ( sorrisos falsos?) para dar a continuidade de uma ilusão capaz de aliviar as tensões da solidão e do isolamento.

A condição do desamparo é aprofundada, a subjetividade encontra-se em risco, tal como afirmou a psicanalista argentina Silvia Bleichmar. Como podemos seguir nesse mundo onde as cores perderam a sua expressão de vitalidade? Até quando teremos de falsificar os sonhos para lidar com a ausência destes no âmbito do dia a dia?

Existem fantasias que realmente não podem conhecer a realidade, pois não são compatíveis a esta. Falam muito mais de um esforço inatingível do interior do sujeito. Porém, há fantasias que podem, de fato, casar com a realidade. O amor, por exemplo, sabe penetrar os dois mundos, e ser. E falando em SER... podemos pensar: “É isso que nos falta!”

'LA GENTE QUE NO SABE LO QUE QUIERE'

Litto Nebbia

La gente que no sabe lo que quiere
A veces dice que te quiere
Y eso te hace sentir muy mal
Tan solo les preocupa que uno sepa
Que por ese corazon, nadie se acerca

Jamas se atreverian a decir
cuanto te amo, muchas veces
por temor a ser feliz

pero les causa gracia que uno sea tan sincero
y te envidian, casi en secreto

La gente que no sabe lo que quiere
A veces encuentra quien la quiere
Jamas se atreverian a decir
cuanto te amo, muchas veces
por temor a ser feliz

pero les causa gracia que uno sea tan sincero
y te envidian, casi en secreto

La gente que no sabe lo que quiere
A veces encuentra quien la quiere
Y eso les hace mal, tanto mal

La gente que no sabe lo que quiere
A veces encuentra quien la quiere
Y eso les hace mal, tanto mal

La gente que no sabe lo que quiere
A veces encuentra quien la quiere

Acesse aqui a música do cantor argentino Litto Nebbia

Acesse aqui a reportagem sobre o evento da falsa boda

João Paulo Corumba de Santana

Psicólogo CRP 19/2697 e

Coordenador do Projeto Psicanálise e Literatura do NPA

[email protected]

data de publicação: 08/09/2015