Às margens do Reno

25/08/2015

Às Margens do Reno

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Notícia fresquinha, de última hora!

“A visão é horrível!”, disse Detlef Gronenborn, do Museu Central Romano-Germânico, um dos autores do estudo publicado esta semana na revista científica Proceedings of the National Academy of Sciences.

Outro autor do estudo, Christian Meyer, da Universidade de Mainz, cidade às margens do Reno, acredita que o bando que atacou este grupo de vinte e seis pessoas, em Schöneck-Kilianstädten, há 20 km de Frankfurt, tinha a intenção de aniquilar a vila inteira. “É perturbador que a violência já fosse tão grave e explícita naquele momento”, diz ele.

Os cadáveres tinham marcas nos calcanhares, pernas quebradas, provavelmente para evitar que fugissem e fraturas no crânio. Quatorze homens, dez crianças e apenas duas mulheres. O fato de haverem poucas mulheres parece indicar que a maioria delas foi sequestrada. Não havia adolescentes, supõe-se que teriam fugido ou também teriam sido raptados. Tudo indica que a chacina ocorrera à noite, utilizando-se de instrumentos de trabalho na agricultura e não de armas, estas teriam surgido apenas 2.000 anos após. Todos foram enterrados em uma cova coletiva, de onde só ressurgiram após cerca de 7.000 anos!

Arqueólogos alemães acreditam terem encontrado as marcas da primeira chacina ocorrida na Europa, no período neolítico, algo entre 5.207 e 4.849 a.C., época aproximada em que os europeus começaram a se fixar à terra, deixando de ser coletores e caçadores, e passando a cultivar alimentos, reunidos em pequenas comunidades.

A hipótese é que o conflito teria ocorrido pela disputa de terras, de alimentos, de poder, iniciado com o sedentarismo. Enquanto nômades, coletores e caçadores, se houvesse algum conflito, um dos grupos simplesmente abandonava a área, em busca de outro espaço. Até então, acreditava-se que este teria sido um período histórico de relativa calmaria, com pequenos conflitos apenas, mas tal achado revela que não foi bem assim que se passou.

O arqueólogo Meyer avalia que padrões de violência estão presentes em muitos animais e que o ser humano não seria exceção, que a capacidade de amar tanto quanto os atos de violência, desde sempre estiveram presentes, agora ou no passado mais longínquo, concluindo que não se poderia falar em uma evolução relacionada a estes instintos básicos.

Nos nossos dias, crimes de natureza brutal são muito mais comuns do que gostaríamos e os vemos quase que diariamente em nossos noticiários. Sejam pela revolta de algum adolescente vítima de maus-tratos, por grupos radicais extremistas ou por chacinas movidas por vingança como há poucos dias em São Paulo. Pelas guerras que sempre existiram e que jamais terão um fim, como lamentava ceticamente Sigmund Freud em carta a Albert Einstein.

Aliás, Freud, em certa época, comparava o trabalho do psicanalista ao trabalho do arqueólogo. Não pensamos mais assim. Entendemos que as profundezas da mente humana não encontram-se no passado, enfim, mas são e serão sempre atuais, vividas no presente do tempo em que se vive. No aqui e no agora.

O alemão Meyer, apesar de arqueólogo, compreendeu bem isto. Não há evolução em se tratando das pulsões, que é como nos acostumamos chamar os instintos básicos em psicanálise. Pulsões amorosas ou violentas, sejam em função da vida ou da destruição, mas sempre impregnadas de paixão e desejo, têm a característica de serem forças primitivas e ao mesmo tempo atuais. Assim, somos o extremo da evolução da vida que se conhece, como afirmam muitos cientistas. E, ao mesmo tempo, expomos nossas mais profundas marcas pulsionais, aquelas que nos acompanham desde a origem de tudo, diuturnamente.

Porque o movimento pulsional surge novamente com cada criança que nasce, diria Sigmund. Porém é mais que isso. Enquanto houver vida, ininterruptamente, o movimento pulsional pressiona em busca de descarga, satisfazendo o desejo. Sempre e atual. Seja em suas formas construtivas, de aglutinação, ou nas formas destrutivas, de desligamento, de ruptura.

Cabe a nós e a cada um, dar o melhor destino possível, assumir a responsabilidade e encontrar o arranjo mais viável para que a vida se mantenha e a chama possa se exaurir naturalmente. Então e só então, de volta para a casa de onde um dia saímos, será o momento de descansar.

Adalberto Goulart

Médico Psiquiatra e Psicanalista, Presidente do NPA

Membro Efetivo e Analista Didata IPA - NPA/SPRPE

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data de publicação: 25/08/2015