Que tal um “rolezinho”?

21/01/2014

 

Que tal um “rolezinho”?

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Nos últimos tempos vivenciamos em nosso país verdadeiras movimentações sustentadas por cidadãos ditos indignados. Alguns se mostravam indignados com os preços das passagens dos transportes públicos (onde tudo começou), outros indignados com o preconceito frente à homossexualidade, e em relação a outros aspectos que se sucederam durante aquelas manifestações nas ruas nas quais muitos acompanharam presencialmente, pelas redes sociais e também pela mídia. O ano de 2014 não começa diferente, as portas da indignação continuam abertas e dessa vez se trata do fenômeno dos “rolezinhos”.

Inevitavelmente as redes sociais iriam se fazer valer do tema dos “rolezinhos”, uma vez que tudo que se intitula em destaque perpassa por esse meio, tal qual ocorre na mídia. Mas enfim, o que são os “rolezinhos”? Ao procurar por tal tema, pode-se encontrar a resposta no discurso de que os “rolezinhos” são pontos de encontro onde jovens da periferia marcam para se encontrar num determinado shopping da cidade. Diante da busca por informações a respeito desse evento, percebe-se uma influência de jovens, em sua maioria negros e da periferia que desejam ir ao “templo do consumo” afirmar a sua existência com o intuito de alertar para os preconceitos nos quais sofrem, etc. Nesse encontro não deixam para trás as suas bases culturais como o funk por exemplo, no qual tal estilo musical se faz presente nos “rolezinhos” enquanto temática de manifestação.

Na cidade de São Paulo os jovens que participam dos “rolezinhos” enquanto movimento ideológico, usam do estilo musical “funk ostentação”, que se trata de um estilo criado pelos paulistas. Esse tipo de estilo se baseia como o próprio nome já diz, em ostentar valores comuns às camadas da dita “classe A” economicamente falando. Em que lugar poderia ser melhor para denunciar o desejo de ter da camada da população mais pobre? Vemos que a questão dos “rolezinhos” vai para além dos preconceitos referentes ao racismo e as classes mais pobres, mas também envolve um movimento interno no grupo que se reúne com a intenção em ser percebido por aqueles que são considerados “habitantes reais/fiéis do shopping” , uma vez que possuem uma condição econômica privilegiada e também o fato de que o próprio sentimento de “não poder ter” faz transtornar ao ponto de serem obrigados a marcar encontros, afirmar que existem, e que também querem o direito de ter.

Mas o que tanto querem ter? Querem ter seus valores reconhecidos, querem poder transitar nos mesmos espaços onde todas as pessoas andam sem a discriminação por categorias econômicas, cor de pele, opção sexual, gostos musicais, aspectos culturais, e o inevitável pelo tipo de nosso sistema: Querem poder consumir! Ao que parece estamos falando do sentimento que nunca permite ao homem o sossego tão desejado: O sentimento de desamparo. Como sugere o sociólogo Zygmunt Bauman, o mundo pós-moderno é marcado por uma sensação de que o homem tornou-se descartável, revelou-se mercadoria de si mesmo e dos outros, e que a lógica capitalista seria a grande causadora desses danos.

Estaria nesse sentido o homem movido a uma realidade de perdas e de poucas possibilidades de reparos? No texto sobre o mal-estar na civilização, Freud nos faz pensar que somos todos filhos da falta, intensos de desejos em busca de prazer e sempre procurando habilidade para evitar o desprazer. Pois bem, o mal-estar ainda está aí, mas será que sabemos o seu preço? Nos cabe saber como estamos lidando com ele, como estamos nos situando nesse caótico dia a dia em que as pessoas parecem não ter mais espaço para o pensar frente ao que por dentro os constitui e se faz movimento emocional.

Não podemos esquecer que as pessoas estão ultimamente se procurando, isso nos leva a crer que as redes sociais por si só não estão dando conta da vasta demanda de encontro, de contato (dessa vez o da presença física). Isso se revela nos encontros atuais quanto às manifestações frente aos políticos brasileiros, assim como os encontros para garantir à cidadania independente da sua classe social, cor de pele, círculo cultural no qual cada grupo está envolvido, orientação sexual, entre outros. O movimento de desintegração via contato presencial antes promovida pelo acontecimento da globalização anda ganhando nova dimensão e função. Os aparatos tecnológicos parecem estar a servir de base principal para marcar os encontros, para ir à vida. “Que tal um “rolezinho” na existência?”, parece que é desse modo que a juventude anda tentando se entender e se encontrar.

João Paulo Corumba

Graduando em Psicologia

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data de publicação: 21/01/2014