Política como o ar que respiramos!

04/11/2014

 

Política como o ar que respiramos!

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Escrevo no começo da tarde desta segunda-feira, dia 27 de Outubro de 2014. As ruas já são mais silenciosas. Os adesivos e bandeiras dos carros já desapareceram quase que por completo. Olhando de fora, talvez pensaríamos que nada, ou quase nada, aconteceu ontem. Mas algo de muito importante aconteceu, de fato: o país fez sua escolha a respeito do governante que o conduzirá pelos próximos quatro anos. Certamente, em todo o Brasil (e até em alguns lugares fora do país), vimos manifestações de todos os tipos, dentre comemorações, tristeza, fúria nas redes sociais e tudo o mais. Acho que trata-se de um terreno muito oportuno para, passadas as emoções mais fortes, propor uma reflexão sobre o contexto mais amplo de uma decisão como essa.

O que é a política, afinal de contas? Acho que é uma pergunta muito mais difícil de responder do que parece. Acho sempre estranho que alguém me diga que não gosta de política. Posso até compreender, mas para mim, no fundo, é o mesmo que dizer que não gosta de oxigênio: você pode até não gostar, mas é algo do qual não há escapatória. Nossas ações, desde as mais específicas até as mais gerais, possuem sempre uma conotação que podemos tomar como política.

E por que isso haveria de ser ruim? Creio que o maior prejuízo que temos, além de manifestações extremadas de ambos os lados além de discursos odiosos ou preconceituosos, é a sensação de que o país não crê na política (vide a taxa de abstenção de 21%). E isso, na minha opinião, é trágico.

Winnicott escreveu que um indivíduo adulto maduro seria capaz de “identificar-se com a sociedade sem um grande sacrifício da espontaneidade”, e que também seria capaz de assumir uma parcela de responsabilidade por manter ou mudar a sociedade tal como a encontrou. Acho que isso põe para todos nós uma questão muito interessante. Meu entendimento de que a política é como o oxigênio vem dessa constatação muito simples: ainda que uma pessoa opte por não votar, por exemplo, não se exime de viver no contexto político que ajudou a escolher (por que não votar, ou votar nulo, também é uma escolha). Ainda que queira sair do país (Cuba ou EUA?) uma pessoa nada mais fará do que participar da política de outro lugar. Podemos falar de nossa identificação maior ou menor em diversos graus, desde com nossos grupos mais próximos até partidos, candidatos, ou mesmo a sociedade em geral. Ainda assim, no entanto, não se deixará de viver em política.

Talvez precisemos de discutir mais, desde as mesas de bar até o Congresso, sobre esse assunto. As pessoas que estão eleitas estão eleitas por nós, seja através de uma escolha consciente ou não. Não acreditar na política é, de certa forma, um dano à identificação do indivíduo para com a sociedade, de consequências extremamente importantes. À medida que diminui tal identificação, é muito mais fácil assumir posições extremas, e tratar oponentes como inimigos mortais, de fato. Nos esquecemos de que, no final, somos vizinhos, estamos todos no mesmo barco.

E talvez entre aí uma questão ainda mais importante, que é a da representatividade. A política é um exercício da vida cotidiana. Como entendemos nossos posicionamentos perante o mundo, como lidamos com as discussões, como colocamos nossas posições... tudo isso é política. Uma eleição é o pico de um processo que começa na conversa mais simples, de pais para filhos, de amigos, de colegas. E esse espaço precisa, não só ser preservado, mas cultivado. A participação e a discussão precisa ser encorajada. Apenas assim podemos conhecer nossas próprias opiniões e as opiniões de nossos pares. Um sistema político nada mais é do que uma estrutura que deve permitir que essas pequenas opiniões encontrem respaldo e possam se transformar em plataformas a ser escolhidas pela sociedade como um todo.

Penso, apoiado nas palavras de Winnicott, que discutir política é uma atitude madura. Meu desejo e minha esperança (cultivados pela prática clínica, inclusive) é o de que com a passagem do tempo estejamos nos formando e ajudando a formar pessoas mais tolerantes, mais sensíveis, mais capazes de participar do mundo. “A política”, disse o escritor Cesare Pavese, “é a arte do possível. Toda a vida é política”.

Leonardo Siqueira Araújo

Membro do Instituto de Psicanálise do Grupo de Estudos Psicanalíticos de Minas Gerais

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data de publicação: 04/11/2014