Help us get our feet back on the ground

11/02/2014

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Recentemente recebi um e-mail de um amigo de infância e adolescência, que não vejo há muito tempo. Amigo daqueles tempos em que o próprio tempo não importava. Tempo em que os vínculos afetivos eram tricotados em tramas tão firmes e seguras que passados 30 anos sem nos vermos continuamos com a mesma sensação e convicção de amizade. É amigo e pronto, coisa talvez um pouco difícil de compreender para os leitores mais jovens, nascidos já no mundo multimídia, globalizado.

É inquestionável o benefício que o avanço tecnológico e científico trouxe para a vida humana nestes tempos de pós-modernidade, especialmente no campo da medicina, da engenharia genética e da comunicação ultra-rápida. Em relação a esta última, o problema é que a mente humana não suporta funcionar neste compasso. Nossas almas necessitam de tempo para receber, elaborar, armazenar, trocar, firmar vínculos afetivos sólidos, seguros e confiáveis. Necessitam da verdade como alimento para se desenvolver, coisa que se dissolve diante dos limites borrados e pouco precisos em que a realidade virtual se confunde com a realidade concreta. Pode-se “viver” uma vida de ficção como se fosse real, posso construir ou destruir sem nenhuma culpa ou constrangimento através da tela do meu computador ou do meu videogame. E, imerso no virtualismo desta condição, posso sair às ruas e já não mais distinguir a realidade concreta, em que o meu sentir, pensar e agir traz conseqüências e implica em responsabilidades.

Recentemente um pai de família foi assassinado em uma confusão de trânsito, na presença da esposa e do filho. Amarildos que desaparecem para nunca mais. Homofóbicos que violentamente se proliferam. São notícias como estas, que se repetem em proporções variáveis, a cada dia e em cada esquina de qualquer cidade, em qualquer parte deste nosso mundo contemporâneo, em que as diferenças são banalizadas e em que só há lugar para o primeiro, o vencedor, que nos deixam preocupados, atônitos, cada vez mais trancafiados nas grades dos nossos condomínios, na blindagem dos nossos carros, ensimesmados em nós mesmos.

Como todos nós já desconfiamos, grades não solucionam este problema que talvez seja o mais profundo que a humanidade já viveu. A violência destes nossos dias, ao tempo em que é produzida por nós mesmos, atinge-nos com o mesmo impacto no âmago das nossas intimidades individuais e no seio de nossas famílias super-protegidas e, inevitavelmente, super-expostas.

Se de um lado, como profissionais de saúde, assistimos diariamente à leva de pessoas esvaziadas que chegam ao nossos consultórios, por outro lado as famílias sofrem direta e inapelavelmente as conseqüências de tal situação. Hoje, as pessoas de uma mesma família mal se conhecem, todos apressados e pressionados pelo sistema a produzir e a se tornarem campeões. Perdeu-se a possibilidade de se conhecer verdadeiramente quem é o outro que divide conosco o mesmo espaço. Trabalhando mais e mais, os pais tentam suprir suas necessidades narcísicas e as necessidades de consumo dos membros da família, por sua vez pressionados pela cultura das academias, dos shoppingcenters e pela culpa dos pais ausentes. Assim, a família que já não se reconhece, se fragmenta. Ronda ainda o perigo maior da sedução pelas drogas, outro fracasso na ilusão de preencher os vazios da alma.

E quando não se suporta as diferenças, quando não se tolera as individualidades, quando não é possível se reconhecer no outro por não poder se reconhecer em si mesmo, mais violência é gerada. Violência que pode ser passiva, da indiferença, do desamparo e da solidão imposta. Ou ativa, com humilhações e agressões por parte de quem detém maior poder.

A nossa comunidade humana necessita urgentemente repensar seus valores, suas escolhas, os caminhos por onde segue. Afinal, a história atesta que somos criaturas culturais e que podemos construir civilizações fantásticas, mas que também somos os mais destrutivos dentre todos os animais. Comecemos por repensar a nós mesmos e às nossas famílias, proponho. Não temos tempo a perder.

Quanto ao e-mail do meu amigo que não vejo há 30 anos, trazia imagens multimídia, com ilustrações que lembram um pouco da nossa infância ocorrida há pouco mais de 3 décadas: de que saíamos de casa a qualquer hora, sem celular e ninguém se preocupava em saber onde estávamos; de que andávamos de bicicleta pela cidade em dias de chuva e ninguém adoecia por isso; de que despencávamos em ladeiras sentados em nossos carrinhos de rolemã, usando a sola do tênis como freio e no máximo ganhávamos alguns arranhões; e de que em lugar de videogames e computadores jogávamos bola de gude com os amigos; de que fazíamos todas as refeições com a família reunida; de que éramos considerados por todos, fossem quais fossem as diferenças; e por aí vai o e-mail do meu amigo, tendo os Beatles como fundo musical:

“Help me ifyoucanI'm feeling down

And I do appreciateyoubeing 'round

Help me getmyfeetbackontheground

Won'tyouplease, please, help me, help me, help me?”

Help! (Lennon &Mcartney)

Adalberto Goulart

Membro Efetivo e Analista Didata IPA - NPA/SPRPE

[email protected]

data de publicação: 11/02/2014